“Todos Os Mortos” conta a história das irmãs Soares, da aristocracia paulista, que entram em ruínas com a abolição da escravidão. Ao mesmo tempo, a família Nascimento vive numa sociedade sem lugar para negros libertos.
Simbolismos e a narrativa
Depois de se firmar como um dos grandes nomes do terror nacional, Marco Dutra (“O Silêncio do Céu”, “As Boas Maneiras”) se une a Caetano Gotardo na direção de seu novo trabalho: “Todos Os Mortos”. Como em seus longas anteriores, Dutra volta a usar o terror como terreno para a exploração de subtextos sociais, ora por meio de simbolismos, ora pelo uso de uma verbalização mais direta. Se em “O Silêncio do Céu” o debate girava em torno do trauma de uma vítima de estupro e seu marido (que não tentou impedir o ato) e “As Boas Maneiras” utilizava o folclórico para falar sobre o preconceito com aqueles que são “diferentes”, “Todos os Mortos” retorna ao passado para criar uma forte relação entre as origens do racismo no Brasil e a sociedade atual.
O roteiro (também escrito por Dutra e Gotardo) inicia sugerindo um protagonismo restrito às personagens da família Soares, sobretudo para a caçula Ana, personagem impedida de sair de casa e que vê pessoas mortas. É então que somos apresentados a Iná e seu filho João, que vem para reforçar o racismo e a intolerância religiosa presente na família de elite que sofre com uma possível falência. Dominado por personagens femininas, o filme sugere que parte de seus problemas estão ligados à ausência de uma figura masculina presente. As Soares empobreceram ainda mais a partir do abandono do patriarca, enquanto Iná e João só estão completos quando reencontram Antônio. Tal escolha, ainda que problemática, acaba por ser coerente à época que o longa retrata e à sua mensagem central.
Por mais que o racismo e a intolerância religiosa sejam os focos da narrativa, muitas vezes com agressões sendo verbalizadas em cenas para lá de desconfortáveis, “Todos os Mortos” aparece como um retrato de uma elite presa ao passado e defensora de costumes opressivos, o que infelizmente perde impacto na tentativa do roteiro de criar um plot twist (sendo esse reaproveitado de uma obra conhecida do gênero). Tal reviravolta seria mais efetiva se trabalhada apenas sutilmente, direcionada ao espectador mais atento. Até a ausência desse twist funcionaria, já que a relação entre passado e presente estava estabelecida tematicamente.
Mas a maior qualidade de “Todos os Mortos” acaba por ser também sua maior fraqueza. Dutra e Gotardo são capazes de criar ótimas relações entre as suas personagens, tanto pelo confronto quanto pela união. Da mesma forma, eles não procuram fornecer todas as respostas e criam uma bela atmosfera de incerteza, em que essas só são fornecidas no campo da sugestão e do simbolismo. Por que Ana é a única que vê os mortos e não pode sair de casa? Como sua mãe se recupera após o ritual de Iná? Qual é a relação da família com João? Cada um é capaz de resolver essas questões a partir de ferramentas fornecidas pelo longa, mas essas nunca são expostas na tela.
Entretanto, é justamente a proposta de desenvolver a história por meio de simbolismos que faz com que ela não funcione emocionalmente. As personagens parecem distantes e a direção incapaz de integrar boa parte das alegorias à narrativa. É quase como se o longa fosse uma obra-prima bruta que precisasse ser retocada. Para isso, era necessário que Dutra e Gotardo conseguissem criar uma fluidez maior entre aquilo que eles queriam comunicar com forma que essas mensagens fossem mostradas em tela. No fim, “Todos os Mortos” é um interessante e ousado experimento, mesmo que Dutra não seja capaz de unificar todas as suas ideias como fez em seus longas anteriores.
Nota: 6.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Todos os Mortos
Data de lançamento: Disponível online na Mostra de São Paulo
Direção: Marco Dutra, Caetano Gotardo
Elenco: Clarissa Kiste, Thomas Aquino, Mawusi Tulani
Gêneros: Terror social, filme de época
Nacionalidade: Brasil