Bacurau
Pouco após a morte de dona Carmelita, aos 94 anos, os moradores de um pequeno povoado localizado no sertão brasileiro, chamado Bacurau, descobrem que a comunidade não consta mais em qualquer mapa. Aos poucos, percebem algo estranho na região: enquanto drones passeiam pelos céus, estrangeiros chegam à cidade pela primeira vez.
A ficção como representação da realidade
Após estrear em longas com o ótimo “O Som Ao Redor” (2012), seguido pelo excelente “Aquarius” (2016), agora Kleber Mendonça Filho mostra mais uma vez porque é um dos melhores diretores brasileiros da atualidade ao evoluir sua narrativa em “Bacurau”, dessa vez ao lado de Juliano Dornelles (que foi diretor de arte do longa anterior). Se o primeiro filme é focado em um bairro de classe média e que debate sobretudo os desejos e dilemas dessas pessoas, o segundo traz o começo de uma resistência diante de um sistema opressor, o novo longa chega em um país já dominado por uma classe e mostra a tentativa de sobrevivência de um grupo reprimido e esquecido.
Ainda que o longa se passe em um futuro próximo quase distópico, ele dialoga quase que por completo com o Brasil atual. Porém, ele consegue manter os seus subtextos quase que completamente nas entrelinhas. Dessa forma, utiliza um cenário de neo-western tecnológico com um ar de fantasia para desenvolver essa narrativa. Até porque muito do filme passa pelos contrastes, visualmente, narrativamente e musicalmente. A partir disso, traça a semelhança entre o radicalismo com o faroeste e a distopia, o que funciona como um claro alerta.
E essa narrativa ganha força graças à forma como Kleber e Juliano trabalham os espaços (está aí também a importância do segundo na direção). A forma como eles acham uma realidade quase documental ao criar uma cidade fictícia que não poderia ser mais real. Essa verdade está presente também nos personagens, uma mescla perfeita entre atores e não atores, mas sem nunca dar muito mais espaço para personagens específicos. Claro que temos um desenvolvimento maior para Lunga (Silvero Pereira), Pacote (Thomas Aquino) e Teresa (Bárbara Colen), entretanto todos ali tem o seu momento. Então, assim o filme nos projeta para dentro da cidade e nos coloca na pele de seus moradores. O amor por Bacurau e o ar de resistência deles se torna o nosso também.
Bacurau como protagonista
O longa leva um ato mais longo do que estamos acostumados para conhecermos Bacurau, que é o grande protagonista do filme. Porém, ele carrega essa apresentação com um ar de incerteza e perigo desde a cena inicial. A gente sabe que algo está para chegar, só não sabemos ainda como este virá. E é aí que o filme muda completamente a partir do segundo ato, ao deslocar conscientemente a narrativa para os nosso vilões. É interessante notar também como o roteiro subverte a visão de caça e caçador no ato final.
Mas isso não é aleatório e mais uma vez mostra a importância do espaço e como os personagens se relacionam com ele. Nudez, sangue, armas, resistência e até um quê de divindade surgem por causa dessa ambientação, e nada é aleatório. Dessa forma, a direção enriquece a história ao saber usar com inteligência a linguagem e todos os elementos que o cinema é capaz de oferecer.
Defesa do brasileiro
Entretanto, de nada adiantaria construir tudo isso se não houvesse uma resolução digna. E o terceiro ato nos traz o ápice da defesa do espaço, ou melhor, do nosso país. Já que Bacurau nada mais é do que o que há de mais brasileiro. E, apesar das gravações terem começado ano passado, o filme ganha ainda mais força por ser lançado no caótico 2019. Graças a isso, ele ganha ainda mais discursos, a defesa da terra pode aqui representar uma resistência infinita. A luta por manter nossa cultura ao mesmo tempo em que tentamos competir por salas de cinema com os caríssimos filmes americanos, a defesa da nossa natureza, do nosso povo, das nossas diferenças, entre muitas outras coisas enraizadas no Brasil e no Brasileiro.
E se essa resistência é armada é porque essa é a única opção. Pode parecer contraditório lutar contra o ódio e as balas utilizando pistolas e facões. Não é por acaso que as armas estavam todas guardadas e inutilizadas em um museu. Pois a violência nunca é a primeira opção para combater violência.
Nota: 10.0
Assista ao Trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Bacurau
Data de lançamento: 29 de agosto de 2019 (2h 12min)
Direção: Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles
Elenco: Bárbara Colen, Sônia Braga, Thomas Aquino, Karine Telles, Silvero Pereira mais
Gêneros: Faroeste, Drama, Violência
Nacionalidade: Brasil