O mundo não estava pronto para a Covid-19 e, com isso, o que vimos foi caos, devastação, sofrimento e muita incerteza. Pois, apesar de alguns países relaxarem o isolamento, o coronavírus está longe de ser um problema do passado. Mas este texto não será sobre a doença em si e sim sobre o impacto que ela causou para o cinema, tanto na indústria quanto na forma como o público se relaciona com a sétima arte.
Quando as pessoas voltarão ao cinema?
Essa continua sendo uma das maiores incógnitas. Quando os cinemas forem reabertos, o público vai ter medo de voltar imediatamente? Ou o amor pelo cinema vai falar mais alto? Quando os cinemas em todos os países do mundo serão reabertos? Quais medidas serão adotadas para diminuir a chance de contágio?
Muitas distribuidoras apostam na volta dos cinemas já no começo de julho. Mas não só isso, elas acreditam também que os cinéfilos sentem tanta falta desse espaço que sairão correndo imediatamente logo após a reabertura. Entretanto, acho tudo isso extremamente precipitado e poderia resultar em um tiro no pé de centenas de milhões de dólares para esses estúdios.
A começar pelo fato de que os Estados Unidos é o maior mercado mundial ao lado da China e até hoje os estúdios precisam que seus filmes pelo menos se paguem em solo nacional. Porém, o país é o com mais casos e mortes por coronavírus e segue sendo o com o maior número de óbitos por dia. Países europeus, que estão semanas ou até meses mais adiantado em relação à pandemia só voltaram a reabrir serviços essenciais recentemente e a maioria ainda não tem cinemas funcionando.
Então seria muito precipitado acreditar nos cinemas americanos reabertos já em julho. Eu apostaria que o funcionamento total deve voltar em meados de setembro apenas.
Porém é uma loucura ainda maior acreditar que o público vai correr para os cinemas logo após a reabertura. Várias enquetes e estudos apontam que grande parte do público tem receio e não pretende voltar antes da existência de uma vacina. E isso envolve até os mais cinéfilos.
E ainda não se tem um plano concreto de quais medidas serão tomadas, mas certamente as salas reabrirão com 50% ou menos de sua capacidade.
Portanto, esse cenário é impossível de prever, mas eu chuto que o público do segundo semestre de 2020 será pelo menos 60% menor do que seria se não fosse a pandemia, mesmo com a existência de “super semanas”, o que eu explicarei a seguir.
Calendário de filmes
São vários os tipos de filmes feitos atualmente, cada um buscando um público específico. Entretanto, para facilitar a análise, eu dividirei em três grandes grupos: blockbusters, filmes para premiações e cinema independente. Em “Blockbusters”, colocarei todos os filmes de estúdio, até mesmo aqueles com orçamentos menores.
Dessa forma, os blockbusters são aqueles que são lançados direto nos cinemas, filmes que devem ter a maior bilheteria da semana ou por mais de 7 dias. E essas obras começaram a se amontoar, já que mais de 4 meses foram perdidos e elas foram adiadas para o segundo semestre. Muitos desses filmes foram passados para o ano que vem, mas ainda assim há uma grande quantidade que pretende ser lançada esse ano, o que é normal porque são vários estúdios grandes disputando por posicionamento e bilheteria.
Dessa forma, teremos algumas “super semanas”, ou seja, semanas com mais de um grande lançamento. O resultado é óbvio, nenhum desses filmes conseguirá a bilheteria que teria se não fosse a pandemia, pois haverá divisão de público, sendo esse já inferior ao de costume.
Então, fico interessado em ver como Disney, Warner, Paramount, Sony, Universal e cia disputarão por salas de cinema em filmes como “Tenet”, “Duna”, “Mulher-Maravilha 1984”, “Mulan”, obras do MCU, 007, entre muitos outros. Eu apostaria em um adiamento para 2021 de muitos desses filmes. E, se assim for, o ano que vem será um ano bem cheio.
Premiações e festivais
Entretanto, grande parte dos filmes não é lançado direto no cinema. Filmes independentes ou que visam premiações como o Oscar passam primeiro por festivais de cinema como Cannes, Veneza, Toronto, Nova York, entre outros. É o caso de quase todos os filmes brasileiros, por exemplo.
E, com exceção de Berlim e Sundance que já aconteceram no começo do ano, a maioria dos grandes festivais são realizados de maio em diante. Cannes, o mais importante de todos, já foi adiado e corre risco de não ocorrer (tentarão uma edição online que ainda parece meio confusa). Veneza, Toronto e os demais, que são termômetro para o Oscar, vivem grande incerteza.
Então, o que será dos filmes independentes? Vão esperar um ano para estrearem nesses mesmo festivais ano que vem? Mas e os projetos já programados para os festivais de 2021? Seria possível uma parceria com streamings abertos a filmes independentes como Amazon e Netflix?
Difícil responder essas perguntas, mas acredito que a parceria com streamings pode ser uma alternativa, ainda mais para distribuidoras como a A24, que tem um nicho apaixonado. Outros terão de esperar um ano ou se arriscar em um lançamento direto nos cinemas.
Porém, os “filmes de Oscar” são mais garantidos para estrear esse ano (ou no começo do ano que vem), já que são produzidos por grandes estúdios visando as premiações. Nesse caso, se não houver festivais, eles podem estrear direto para o cinema. Isso porque a Academia já estuda adiar o Oscar para o final de março ou abril, o que faria com que as outras premiações que tentam ser termômetro para o Oscar fossem adiadas também.
E isso daria mais tempo para esses filmes serem lançados, até fevereiro talvez. Pois o Oscar deve estender sua data, ao invés de apenas filmes que estrearam em 2020 a expectativa é da aceitação de obras do começo de 2021, visto que a Academia já aceitou flexibilizar as regras para filmes de streamings. Tudo isso, claro, só seria válido para o Oscar 2021, voltando a funcionar normalmente a partir de 2022.
Prejuízo da indústria
A única certeza é que 2020 representará o maior prejuízo da indústria cinematográfica do século, talvez da história. Isso porque as pequenas distribuidoras terão pouco retorno, enquanto as grandes estão há meses gastando dinheiro sem receber nada em troca. E o pior, terão de lançar menos filmes no ano do que tinham previsto e essas poucas obras passarão por uma disputa absurda com lançamentos de seus concorrentes. Ou seja, toda a previsão de retorno em bilheteria será infinitamente menor.
Minha torcida é para que pelos menos as distribuidoras e produtoras menores consigam parcerias para diminuir o impacto. Já os grandes estúdios, apesar do prejuízo, provavelmente conseguirão se restabelecer em curto ou médio prazo.
Dica de canal sobre o assunto
Só para finalizar, não poderia deixar de indicar um especialista nesse assunto. Para quem se interessa por todo esse universo do cinema, tanto lançamentos quanto festivais e distribuição de filmes, vale a pena acompanhar o canal no YouTube do Waldemar Dalenogare.
Além de excelente crítico, especialista em Oscar e conhecedor do funcionamento da indústria, Dale, como é conhecido por seus seguidores, mora nos Estados Unidos e consegue trazer várias notícias e reflexões em primeira mão, muitas vezes conversando diretamente com profissionais da indústria.
Em meu Podcast, do canal 16mm, já falamos sobre esse e outros assuntos com o Dalenogare. Vale a pena conferir.