“7 Prisioneiros” acompanha Matheus e mais três garotos do interior de São Paulo que encontram trabalho na capital e sonham com uma vida melhor. Porém, eles não sabiam que se tornariam prisioneiros em um trabalho escravo de ferro velho.
O filme está disponível na Netflix.
Filme para americano
“7 Prisioneiros” coloca o seu tema em primeiro lugar e sacrifica sua forma para se encaixar nos moldes do “filme internacional que agrada estadunidense”. Assim, Alexandre Moratto recorre ao universalismo temático e à estética hollywodiana para fazer um filme que se contenta em ser apenas uma “crítica social foda”.
Muitos ficaram desapontados quando a Academia Brasileira de Cinema selecionou “Deserto Particular” ao invés de “7 Prisioneiros” para ser o concorrente do país à categoria de “Melhor Filme Internacional” no Oscar 2022. Apesar de ambos terem sido exibidos no Festival de Veneza e apenas o primeiro ter saído com um prêmio de lá, muitos alegavam que a Netflix traria uma chance maior para o segundo longa.
E realmente “7 Prisioneiros” talvez tivesse mais possibilidade de uma indicação. Não pela qualidade do longa, já que “Deserto Particular” é muito mais filme, e nem pelo apoio da Netflix, pois o estúdio está mais preocupado com a campanha do italiano “The Hand of God”, de Paolo Sorrentino (algo parecido aconteceu quando preferiram “A Vida Invisível” a “Bacurau” por conta da parceria do primeiro com a Amazon, mas o estúdio abandonou o longa brasileiro para privilegiar o francês “Os Miseráveis”). A verdade é que as chances do filme de Moratto estão justamente pela rejeição do cineasta a brasilidade além do tema central para se integrar na cartilha do filme estrangeiro que briga por Oscar. Talvez o maior exemplo disso seja “A Vida é Bela”, que é basicamente um oscar bait feito na Itália.
“7 Prisioneiros” é então um filme que, como é comum no cinema hollywoodiano, faz questão de expor o seus temas da forma mais compreensível e expositiva possível. Quando os garotos chegam a São Paulo, eles se deslumbram com a cidade e os seus prédios, deixando claro que viam ali uma oportunidade de vida melhor. O que é ainda reforçado quando selecionam um prédio que desejam morar no futuro.
Em outra cena, Matheus, vivido por Christian Malheiros, revela que sonha em ser engenheiro e os amigos dizem que faculdade não é para eles. Tal temática ainda é repetida quando Luca, o dono do lugar, interpretado por Rodrigo Santoro, dá risada do mesmo sonho do garoto.
Mas a insistência em mastigar a realidade representada e os sonhos e características dos personagens não aparece apenas no texto, mas sobretudo na decupagem (seleção dos planos que darão vida ao roteiro) e nas escolhas da montagem. Cada plano é selecionado não para passar emoções ou nos fazer sentir a realidade representada, mas apenas para revelar informações que reforcem essa temática central.
Com isso, ficamos restritos a ver reações desesperadas dos personagens escravizados, ameaças dos donos do lugar ou closes de armas, a representação da ameaça. Em quase todas as cenas a decupagem se resume a uma panorâmica para estabelecer o espaço para depois cortar entre os personagens em plano médio ou primeiro plano.
A estética então vira apenas refém de um roteiro apressado a contar a história da forma mais econômica possível, seguindo aquele lema do cinema hollywoodiano “se algo não é importante, corte do filme”. O problema é que Moratto trata como menos importante justamente a narrativa mais visual que o filme pedia para dar vida aos temas do tráfico humano e trabalhos análogos à escravidão. Só que ele simplesmente não nos mostra o que deseja retratar ou quando leva à tela é de forma quase protocolar.
Então, São Paulo se transforma em uma cidade genérica, que poderia ser qualquer lugar do mundo, sendo restrita àqueles dois primeiros diálogos iniciais. Os personagens são apresentados às pressas e imediatamente o filme já revela a escravidão iminente. Não há tempo para vermos os sonhos dos garotos além de duas cenas, não há tempo para acreditarmos que eles tinham um futuro ou mesmo para vermos a situação deles.
Isso porque logo a obra ignora qualquer personagem que não seja Matheus e Luca. Claramente Moratto está mais interessado nessa relação entre o aprisionador que também é refém do sistema e o prisioneiro que não vê saída e entra no sistema. E, por mais que haja uma grande complexidade nesses dois personagens, o cineasta mais uma vez se recusa a nos mostrar a relação deles e prefere dizê-la por meio de diálogos rápidos, em cenas que só servem para tornar o longa ainda mais evidente sobre os problemas abordados.
Em um momento somos levados a uma boate para mostrar como Matheus começa a se balançar com a vida “boa”. Depois há uma festa para evidenciar que o sistema é mais amplo e envolve políticos. Isso ainda é reforçado quando, mais uma vez por meio do texto, Luca fala sobre os fios de cobre do ferro-velho serem os mesmos da rede elétrica da cidade. Há uma cena que força ainda mais a barra para a simplicidade e apela para o emocional, quando conhecemos a mãe de Luca e esta revela que o filho dela sempre foi um bom garoto sem oportunidade, reforçando como é o sistema que leva as pessoas a cometerem tais atos.
Assim, Moratto nem tem vergonha de abrir a simplicidade de suas escolhas, contentando-se apenas em criar sequências a fim de reforçar a temática por meio de cenas sem peso além de um propósito extremamente evidente. Pior do que isso, esses temas “menores” ou relações (como o envolvimento de políticos, o tráfico de imigrantes ou a relação com o passado de Luca e sua mãe) são simplesmente ignorados após aparecerem, deixados sem qualquer desenvolvimento.
E ao seguir a cartilhinha da exposição de um tema universal, o diretor deixa claro que ele não conhece realmente a realidade que está retratando e tem medo de enfiar a mão na massa para abordá-la. Trata-se de um thriller quase sem tensão, já que Moratto não se joga no gênero trabalhado. As cenas de tortura psicológica ou física ficam mais uma vez restritas ao dito e não ao mostrado. Sempre que um personagem é pego tentando fugir do sistema, há um corte e este já aparece com o rosto roxo. O único momento em que o cineasta realmente parece que vai sujar as mãos envolve um enforcamento, mas, mais uma vez, o roteiro puxa o filme para a higiene antes de concretizar a ação. E quando falo da limpeza do longa não me refiro a ambientação ou as roupas dos personagens, mas sim ao medo do diretor de retratar a violência e a brutalidade além dos diálogos. É quase como se ele não ligasse para as possibilidades da mise en scène e só conhecesse o texto como forma de comunicar em um filme.
Talvez o fato de Moratto ter vivido mais tempo nos Estados Unidos do que no Brasil explique um pouco dessa forma americanizada e generalista do diretor ao retratar um problema que é muito brasileiro. No mais, “7 Prisioneiros” decepciona por parecer muito mais um filme fabricado para concorrer ao Oscar do que realmente preocupado em evidenciar àquela realidade para o público. Os filmes hollywoodianos já dominam nossas salas de cinema e serviços de streaming, não precisamos falar também da nossa própria realidade aos moldes do que agrada àqueles que vivem nos Estados Unidos. A falta de identidade e de identificação do cineasta com o próprio país grita na tela, basta olhar um pouquinho além da “crítica social foda” para perceber isso.
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: 7 Prisioneiros
Data de lançamento: 11 de novembro de 2021
Direção: Alexandre Moratto
Elenco: Christian Malheiros, Rodrigo Santoro
Gêneros: Drama, Thriller
Nacionalidade: Brasil