“A Vida Invisível” conta a história das irmãs Eurídice e Guida, que são separadas durante a juventude e passam a vida tentando se reencontrar.
A beleza do melodrama
Em “A Vida Invisível”, finalmente Karim Ainouz encontra o seu tom e chega ao seu trabalho mais maduro. A escolha é por contar uma história no Rio de Janeiro da década de 1950, no formato de melodrama, um gênero pouco atraente para o grande público atualmente e que é extremamente complicado de se trabalhar.
Porém o diretor demonstra todo seu talento e conhecimento, e constrói uma das obras mais fascinantes e importantes que já vi nessa vertente dramática.
A construção dramática é focada em uma cativante e poderosa relação entre as irmãs Eurídice (Carol Duarte) e Guida (Júlia Stockler). O roteiro inteligentemente nos aproxima delas, nos faz conhecer suas vidas e seus dramas. Aprendemos sobre elas e sobre a dificuldade de ser mulher em uma sociedade extramente conservadora.
Dessa forma, a separação das duas se torna mais sentida. E cada minuto que elas passam tentando se reencontrar é tocado no fundo de nossa alma. E isso surte ainda mais efeito em quem tem um irmão com esse grau de proximidade (como é o caso desse que vos escreve).
Graças a essa construção, o epílogo do longa funciona tão bem. Fazia tempo que eu não via um salto temporal ser tão bem utilizado e com tanta profundidade em um longa. Entretanto, essa escolha do roteiro só funciona de forma tão brilhante graças a atuação profunda e introspectiva de Fernanda Montenegro. Ela é capaz de encarnar uma Eurídice que sente o peso de seu passado, dos sonhos não vividos e de uma amizade interrompida.
Força da mulher
Porém, a grande força de “A Vida Invisível” está na sensibilidade de Ainouz ao abordar o universo feminino. Ele entende muito bem as suas protagonistas, compreende seus dramas, pois só assim ele conseguiria traçar o forte paralelo entre aquele universo e os dias atuais. A forma como ele faz essa conversa entre a década de 1950 e o século XXI é extremamente cruel. Percebemos o quão devagar as mulheres começaram a conseguir direitos, enquanto a mentalidade masculina segue mudando tão pouco.
E isso vai aparecer no ultraconservador pai de Eurídice e Guida ou até mesmo no personagem de Gregório Duvivier. Ele é a representação clara do “cidadão de bem”, trabalhador e que parece inofensivo, para não dizer bobo. Mas ao mesmo tempo, ainda que não perceba, é um marido extremamente abusivo. Destaque para a cena da lua de mel (não falarei mais do que isso para não dar spoilers).
É uma pena que em alguns pequenos momentos o roteiro deslize e tente verbalizar o discurso central. Algo desnecessário, já que tudo isso já estava presente de forma menos explícita na trama e no desenvolvimento de personagens.
Parte técnica
Eu não poderia deixar de falar também da rica linguagem e estética do filme, e a forma como ambas se conversam. Ou seja, de nada adianta fazer um filme visualmente bonito e com uma bela reconstituição de época se isso não tiver um propósito narrativo.
Dessa forma, “A Vida Invisível” traz toda essa beleza visual pensada e narrativamente relevante. A escolha de fazer um filme na década de 1950 com figurino e design de produção relativos à época, mas com o uso de lentes do cinema atual hollywoodiano traz sensorialmente essa ideia de um problema dos anos 50 que segue presente até hoje em nossa sociedade.
Além disso, Ainouz demonstra um conhecimento excelente na composição de enquadramentos, uso de iluminação e profundidade de campo. E isso vai desde a forma escura e repressiva que ele mostra o interior da casa de Eurídice no começo do longa (contrastando com o uso de cores mais vivas quando Guida está fora da casa), passando pela criação de vazios no plano durante o segundo ato em enquadramentos com a protagonista (remetendo à falta da irmã), até chegar aos momentos em que Eurídice está tocando piano.
Nessas cenas, o diretor tende a diminuir a profundidade de campo, deixar o foco e a luz na protagonista. Pois esses são os únicos momentos em que está fazendo algo que ama. E mais do que isso, é a hora que ela é capaz de brilhar e se libertar.
Nota: 9.5
Crítica em vídeo:
Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz sobre o longa em meu canal, o 16mm.
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: A Vida Invisível
Data de lançamento: 21 de novembro de 2019 (2h 25min)
Direção: Karim Ainouz
Elenco: Carol Duarte, Julia Stockler, Gregório Duvivier, mais
Gêneros: Drama, Melodrama
Nacionalidade: Brasil