“Atleta A” é um documentário que revela o escândalo de abuso, pedofilia e acobertamento envolvendo a Seleção Feminina de Ginástica Artística dos Estados Unidos.
O filme está disponível na Netflix.
Uma aula de jornalismo
“Atleta A” é formalmente um convencional documentário de denúncia, mas a estrutura conhecida ganha força com o belíssimo trabalho de jornalismo investigativo. Como jornalista formado que sou, sempre me encanta a prática do bom jornalismo, sobretudo quando utilizada para evidenciar casos sérios e acobertados por instituições ou pessoas poderosas. É justamente sobre isso que é esse documentário capaz de me emocionar, chocar e revoltar na mesma medida.
Por mais que infelizmente sejam recorrentes os casos de abusos sexuais cometidos contra mulheres em grandes corporações, não deixa de ser angustiante sempre que algum caso é revelado, e ainda mais chocante em uma instituição que deveria fornecer tudo de melhor para suas atletas, já que essas são as responsáveis por representar o país mais patriota e competitivo do mundo nos Jogos Olímpicos.
Dessa forma, é lindo ver pessoas que ainda acreditam em fazer o certo, como acontece com os jornalistas do The Indianapolis Star. Mais do que lutar pela divulgação de um caso que questiona a própria noção de patriotismo, tiveram a paciência para reunir provas e se aprofundar na matéria, ao mesmo tempo que prestaram toda a assistência necessária às fontes, no caso, as mulheres afetadas pelos crimes cometidos.
Importante e perturbador
Porém, mais do que uma aula de jornalismo investigativo, “Atleta A” é um retrato da coragem feminina e da importância da sororidade (que aqui vai desde as atletas, passando pelas mães e pelas advogadas). O documentário é capaz de retratar todo um cenário amplo sobre o abuso sexual e a pedofilia sofrida por aquelas meninas. O medo de sofrer repressão ou difamação impossibilitou algumas de denunciar o ato quando aconteceu, outras fizeram a denúncia, mas confiaram na integridade da instituição, enquanto algumas eram tão jovens que nem sabiam que estavam sendo abusadas.
Então, o documentário é eficiente ao demonstrar também como as vítimas são afetadas tanto física quanto psicologicamente por um ato tão cruel e criminoso como esse. Mais do que isso, revela como cada uma reage de forma diferente, mas praticamente todas se assemelham no medo de enfrentar um sistema que trata a vítima como culpada. Mesmo a gigante MAGGIE NICHOLS, que dá nome ao documentário por ser a primeira a fazer uma denúncia para a polícia, teve medo de se pronunciar e acabou sofrendo sanções por se posicionar, como a não-classificação para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, mesmo que tivesse feito mais do que o suficiente para integrar a equipe.
Entretanto, “Atleta A” vai além apenas do abuso sexual e da pedofilia e decide fazer um estudo sobre todo o funcionamento da ginástica artística no país, mostrando também o abuso psicológico e físico dos treinadores, que não tratavam as meninas como seres humanos, além do estereótipo da ginasta perfeita criada desde o sucesso de Nadia Comăneci, prejudicando o crescimento e desenvolvimento das atletas em prol da vitória pela nação.
Assim, não deixa de ser emocionante ver as atletas se unindo contra um sistema que tentou calá-las por anos, evidenciando como a força do grupo é capaz de causar mudanças e justiça (pelo menos em parte, já que muitos envolvidos seguem impunes). Não à toa, considero a cena do tribunal, em que todas relatam os abusos sofridos em frente ao médico criminoso, a mais potente de 2020, a única capaz de encher de lágrimas os olhos desse crítico cético.
Porém, eu não poderia terminar essa crítica sem escrever o nome daqueles que causaram dor a essas e muitas outras garotas, pois essas pessoas não podem cair no esquecimento. O principal deles, LARRY NASSAR, que se aproveitou de um sistema que aterrorizava as meninas para pagar de bom moço e abusar delas. “Cidadão de bem”, participativo na comunidade e médico da seleção feminina há 29 anos, quem poderia desconfiar que ele fosse um criminoso? Por sorte, depois de causar muita dor, ele foi descoberto e colocado na cadeia, onde deve apodrecer pelo resto da sua vida.
Porém, Nassar não é o único, já que se não fosse o encobrimento de STEVE PENNY, ex-presidente da ginástica artística dos Estados Unidos, quem deveria defender os interesses daquelas garotas, o médico já teria sido pego há muito mais tempo. E, por último, não esqueçamos do casal de treinadores BÉLA e MARTHA KÁROLYI, que ajudaram a fazer da vida das atletas um inferno, obrigando muitas a competir com lesões sérias, além do constante abuso emocional, usando sempre o patriotismo como desculpa.
Nota: 9.5
Ficha Técnica:
Título original: Athlete A
Data de lançamento: 24 de junho de 2020
Direção: Bonni Cohen, Jon Shenk
Gêneros: Documentário
Nacionalidade: EUA