“Deserto Particular” acompanha Daniel, um policial suspenso por agredir um recruta em treinamento. Apaixonado por Sara, com quem só falou por mensagens, ele atravessa o país para conhecê-la.
O filme está disponível nos cinemas.
Uma aula de empatia
Aly Muritiba entende o momento do país e faz de “Deserto Particular” uma aula de empatia e sensibilidade à brasileira.
Chega a ser curioso como os dois filmes brasileiros mais fortes na disputa para representar o país no próximo Oscar sejam tão opostos. Se “7 Prisioneiros” abre mão de qualquer característica do cinema brasileiro e se adequa a uma lógica hollywoodiana de contar histórias, generalizando o problema e o tornando algo mundial e, ao mesmo tempo, genérico, “Deserto Particular” vai na contramão (e, por sorte, venceu a disputa).
Em essência, o novo filme de Aly é um romance, daqueles impossíveis, muito comum no teatro e na literatura desde muito antes do cinema pensar em nascer. Dessa forma, o diretor, que também é um dos roteiristas do longa, poderia recorrer facilmente a elementos mais generalistas, afastando-se do cinema nacional, mas agradando um público maior fora e dentro do Brasil (já que a esmagadora maioria dos brasileiros não consomem cinema nacional e, por isso, estão mais habituados com o hollywoodiano).
Olhando friamente, “7 Prisioneiros” tem até uma temática muito mais brasileira e menos geralista do que “Deserto Particular”. Por isso, é muito mais importante o “como contar” do que “o que contar”. E é aí que o filme de Aly cresce e mostra entender do Brasil e do brasileiro como poucos.
Rejeitando um julgamento prévio, o diretor nos coloca em um grande prólogo para apresentar o seu protagonista, Daniel, vivido por Antonio Saboia, que combina a brutalidade do personagem com um olhar desconfiado de si mesmo. Logo entendemos a situação do personagem, um policial afastado por agredir e levar quase à morte um recruta.
Aqui, Aly poderia facilmente recorrer à crítica fácil à Polícia Militar e seu treinamento, mas ele não cai nessa armadilha. Daniel até usa como argumento diversas vezes “como a instituição treina eles”, mas em todas as vezes tem sua desculpa rejeitada e é responsabilizado por aquilo que fez.
Só que o diretor está muito menos interessado no que Daniel fez e muito mais preocupado com o que será dele a partir de então, já que aos poucos entendemos que nem ele mesmo sabe quem é e o que quer. É um personagem enclausurado pelo que foi até aquele instante e que coloca toda a sua esperança de futuro em uma mulher que nunca viu pessoalmente. O que é maravilhosamente bem representado pela forma como Aly escolhe filmar o personagem.
Inicialmente vemos o quadro e a iluminação aprisionar Daniel em meio a longos planos estáticos pouco iluminados. Aly não precisa necessariamente recorrer a planos mais próximos ou planos detalhes para direcionar o olhar do espectador. Pelo contrário, ele deixa o público livre para ser voyeur daquele personagem em conflito consigo mesmo.
Tudo isso começa a mudar quando Daniel, um personagem aparentemente incapaz de arriscar, joga-se impulsivamente em uma viagem de Curitiba, onde mora, até Sobradinho, uma pequena cidade no interior da Bahia, para encontrar Sara, que parou de responder desde o incidente da agressão.
A partir de então, Aly começa a abrir mais o plano, colocar o personagem pequeno em uma imensidão desértica, como no momento dos créditos iniciais em que ele para para esfriar a caminhonete. De certa forma, esse pequeno momento representa sobre o que é “Deserto Particular” como um todo, não só na figura de Daniel, mas também na de Sara, que conheceremos quase uma hora depois.
Então, assim como fez em “Ferrugem”, Aly volta a quebrar a expectativa do público e mudar o ponto de vista da história contada, deixando claro que o filme não é sobre a busca por Sara ou por descobrir quem é essa mulher misteriosa, isso o roteirista e diretor nos entrega na metade da projeção. O verdadeiro interesse de Aly está em relacionar esses dois personagens por meio da aceitação e compaixão.
Dessa forma, mais do que as mudanças de paisagem, do sudeste ao interior do nordeste, explorando essa imensidão climática e cultural que é o Brasil, o longa entende o momento atual do país e, sem precisar apontar o dedo ou explicitar suas críticas em vilões, somos levados a uma jornada em busca da empatia. Tudo isso é representado no magnífico diálogo em que Daniel e Sara finalmente se abrem um para o outro, deixando a tensão de lado para se libertar para a compreensão e o descobrimento de si no outro.
Com inteligência, Aly nos desarma durante todo o longa, quando acreditamos saber sobre o que é o filme, ele muda novamente. No fim, o que parece um romance banal vira um retrato do Brasil atual, e, principalmente, o que falta em nosso país: empatia.
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Deserto Particular
Data de lançamento: 25 de novembro de 2021
Direção: Aly Muritiba
Elenco: Antonio Saboia, Pedro Fasanaro
Gêneros: Drama, Suspense
Nacionalidade: Brasil