“Inside” mistura vários estilos de filmes e vídeos para mostrar Bo Burnham em sua quarentena, desde números mais pessoais até sátiras musicais.
O filme está disponível no catálogo da Netflix.
Uma explosão de criatividade e estilo
Comediante, músico, cantor, compositor, rapper, ator e diretor (estreou com o ótimo “Oitava Série”), Bo Burham começa a se credibilizar como uma das grandes mentes de sua geração. Mas nada que ele havia feito até então se iguala ao estranho maravilhoso “Inside”, da Netflix. Apesar de ser considerado um filme, “Inside” é um híbrido de muitas coisas. Filme de ficção, clipe, comercial, esquetes, vídeo de internet, stand up e documentário, a obra não é nada disso e é tudo isso ao mesmo tempo. É uma explosão de criatividade e vulnerabilidade.
Claro que toda a essa mistura de linguagens e estilos poderia gerar uma grande confusão aleatória, e de certa forma o filme até é aleatório, mas Burnham consegue integrar muito bem essa aleatoriedade em uma narrativa quase inexistente, mas que se faz presente ao modular as diversas sensações e emoções vividas por uma pessoa trancada dentro de casa durante a quarentena.
Dessa forma, o ator começa a obra saindo da rua ensolarada direto para o seu quarto escuro, que será o palco do seu show. Desde então, o design de produção caseiro reforça o senso de pessoalidade e intimidade dele para com o público. Burnham se abre para nós de corpo e alma, tanto como pessoa quanto com a sua arte.
Então, após reconhecer a presença do público ao quebrar a quarta parede e dar um tom documental à obra, vemos o longa se desenvolver como se tivéssemos dentro da cabeça do diretor. A cada número ou entreato nos sentimos parte daquele personagem, em parte ficcional, em parte o próprio cineasta. De início, ele já nos convida a pensar sobre a função dele de nos fazer dar risada durante o caos, e as questões éticas que tal situação implica. E será isso que permeará toda a obra, do humor ácido e crítico à sociedade dos números de humor, até a exaustão física e mental dos momentos mais vulneráveis.
Burnham usa o público como parceiro ao mesmo tempo que somos cobaias de sua experimentação. As linguagens se tornam o seu maior trunfo de inventividade, combinando muitas vezes diferentes estilos em uma mesma esquete, como a minha preferida “White Girl’s Instagram”, em que a sátira musical se mistura à crítica às elites e redes sociais, ao mesmo tempo que a montagem vai dos cortes abruptos de vídeos do YouTube ao exagero de encenação dos clipes.
Só que, ao mesmo tempo que o filme apresenta uma certa linha narrativa que unifica toda a obra, a aleatoriedade dos números, tanto em composição visual, sonora, montagem, quanto em temática e tom, faz com que Burnham transporte sua própria ansiedade para nós, já que imediatamente reconhecemos sua criatividade e experimentalismo, o que cria um clima de suspense para o que vem a seguir. Ao final de todas as esquetes eu me pegava perguntando “o que ele vai aprontar agora?”.
E a verdade é que sempre o cineasta era capaz de me surpreender. Conversa com uma meia com consciência social, crítica musical ao que é postado no Instagram, piadas com a recorrente história do salvador branco no cinema, um loop de react, encenação da conversa com o pai por facetime e por aí vai. A criatividade de Burnham parece não ter limites e quem ganha com isso somos nós.
Dessa forma, “Inside” parece ser a obra definitiva sobre o isolamento social, ao nos convidar para participar da mente e das vulnerabilidades de seu cineasta, ao mesmo tempo que a experimentação de linguagens (e metalinguagem) compõe uma narrativa relevante e de beleza estranha ímpar.
Nota: 10.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Inside
Data de lançamento: 21 de maio de 2021
Direção: Bo Burnham
Elenco: Bo Burnham
Gêneros: Documentário, Stand up, Clipe Musical
Nacionalidade: EUA