“Meu Pai” conta a história de um idoso com demência sendo cuidado por sua filha, em meio a várias situações ao longo de um curto espaço de tempo.
O filme estará disponível para aluguel e foi indicado ao Oscar 2021 em seis categorias, incluindo Melhor Filme.
Na pele do protagonista
“Meu Pai” é um retrato da demência vista de dentro com respeito e empatia. Ao invés de contar essa história externamente, pela perspectiva da filha (Olivia Colman) ou de forma linear e objetiva, como seria feito por nove a cada 10 roteiristas, Florian Zeller (roteirista e diretor estreante, que também dirigiu a peça de teatro que originou o filme) escolhe inteligentemente nos transportar para dentro do mundo de Anthony (Anthony Hopkins). Dessa forma, ele abre mão da linguagem mais teatral, erroneamente muito usada em adaptações de peças (como em “A Voz Suprema do Blues”), e aposta em elementos essencialmente cinematográficos, como a câmera e a montagem. Esta serve para nos confundir, questionar o senso de realidade, a linearidade dos acontecimentos e a noção do tempo, assim como acontece com o protagonista.
Já a câmera (e a fotografia como um todo) aposta em uma estética quase de terror psicológico, colocando o personagem para vagar pelo apartamento pouco iluminado, com movimentos leves e o filmando pelas costas, sempre gerando um suspense para o que será visto no cômodo a seguir, conversando assim com a confusão psicológica do personagem proposta pela montagem. Ao mesmo tempo, a fotografia nos apresenta um apartamento que serve como um microcosmo da vida presente, passada e futura de Anthony, algo que entendemos melhor na sequência final, quando uma simples mudança no excelente design de produção revela informações preciosas para toda a história. Além de entendermos completamente a geografia daquele espaço, graças à câmera de Zeller, somos colocados em um mundo escuro, como um labirinto, iluminado apenas pelas frestas das janelas, que chamam o protagonista para um vida que ele não pode mais viver.
Mas muito do poder do filme passa pela manipulação quase invisível de Zeller, que faz das sutilezas suas maiores virtudes. Isso aparece em pequenos gestos (como um garfo sendo guardado no paletó como se fosse uma caneta), mudanças de olhares (que geram sentimentos ou confusão), na metáfora temporal repetida na figura do relógio (essa um pouco mais clara) ou até mesmo naquilo que é mostrado nas bordas do plano, fora do direcionamento de olhar proposto pela câmera (muito da atuação de Colman passa por isso).
Assim, o diretor se mostra muito confiante na capacidade do seu público de perceber detalhes pequenos, mas reveladores. Já que são a partir desses que as maiores descobertas são feitas, seja na direção de arte, nos acontecimentos ou objetos de cena. Não à toa, os bons diálogos parecem ser a única fonte mais clara para situar o espectador, mas em muitos momentos servem para aumentar ainda mais a confusão do protagonista, e, consequentemente, a do público.
E tudo isso funciona ainda melhor porque as duas atuações centrais se mostram em harmonia com a proposta. Colman tenta esconder seus sentimentos para não ferir os de seu pai, mas deixa transparecê-los quando está distante do foco da cena (e de sua própria vida), enquanto Hopkins controla o plano e a história, mas é justamente na simplicidade que sua atuação se destaca, nos pequenos gestos e nas mudanças repentinas de humor ou confusão mental.
Dessa forma, “Meu Pai” consegue se diferenciar dos filmes sobre protagonistas idosos com demência ou outras questões consequentes da idade. Ao invés de se deixar levar pelo habitual, o melodrama recheado de flashbacks, Zeller cria um potente drama psicológico tocante e incômodo, que flerta com o terror e usa a montagem como elemento de aproximação entre protagonista e público. É uma aula de como adaptar uma peça de teatro ao cinema.
Nota: 10.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The Father
Data de lançamento: 8 de abril de 2021 (via aluguel)
Direção: Florian Zeller
Elenco: Anthony Hopkins, Olivia Colman
Gêneros: Drama
Nacionalidade: Inglaterra