“Noite de Reis” acompanha um jovem na Costa do Marfim que é preso e se vê em meio a um conflito entre líderes de cadeia. Por isso, ele terá de criar uma história e contar para todos os presos durante toda uma noite para tentar sobreviver até o nascer do sol.
O filme fez parte do Festival do Rio e ficou disponível no Telecine Play durante todo o dia 31/07.
Fantasia como fuga de uma realidade cruel
“Noite de Reis” é acima de tudo um filme sobre a arte de contar histórias e a encenação. Mas, o grande mérito do diretor Phillipe Lacote é justamente se utilizar desses elementos literário e teatral e inseri-los em uma lógica cinematográfica. Então, os planos mais fechados, sobretudo os closes dramáticos em um protagonista ameaçado e acuado, e a montagem que faz a fantasia ir além apenas do espaço físico da história contada são o que transportam essas outras duas artes para dentro do cinema.
Longe de ser uma ideia nova, a fantasia como fuga da realidade já foi abordada em diversas obras, desde algumas mais infantis até outras com uma realidade mais cruel, como “A Vida é Bela” e “O Beijo da Mulher-Aranha”. E, nesse sentido, “Noite de Reis” está muito mais para o filme de Babenco do que para o oscar bait italiano de Benigni. Só que se o filme do argentino-brasileiro revelava a fantasia sob uma ótica mais político-social, envolvendo até uma relação da proibição da sexualidade, o trunfo do longa marfinense está justamente nessa encenação dentro da encenação. É uma história que vai sendo criada, encenada e modificada o tempo todo.
Dessa forma, o diretor vai redefinindo o espaço e o tempo e deixando a narrativa caminhar de uma forma quase imaginativa e improvisada. Ao passo que o jovem protagonista entende sua real situação, ele é obrigado a improvisar a história contada para manter os ouvintes atentos. Ainda que o filme pudesse investir apenas na narração oral dele e recriação da história pelos presos que os cercam, o que traz uma lógica mais próxima do teatro, “Noite de Reis” se favorece da história em tela, por meio de flashbacks fictícios. São eles os responsáveis por adentrar em um campo mais fantasioso, que reflete exatamente o pensamento do jovem roman.
Então, se há uma frase clássica sobre cinema em que “um filme ensina o público a lê-lo”, isso se torna uma tarefa mais intrigante na obra de Lacote. Pois, ao transportar-nos para a história dentro da história, somos convidados, juntos com os presos ouvintes, a aceitar uma história que renova sua lógica desde o início. Inicialmente o foco é em um jovem líder de gangue que é caçado e morto. Depois, o roman decide contar a origem desse jovem, mas ao invés de retornar 20 e poucos anos, ele volta aos tempos da realeza, para evidenciar uma tragédia no nascimento, um trabalho como serviçal de uma rainha, uma guerra de seres sobrenaturais, até uma mudança para séculos na frente em uma região conhecida dos ouvintes. Só que nem aí a história para de se modificar, como uma típica tragédia, o contador retorna mais uma vez ao nascimento para relatar uma mentira sobre sua origem, que seria ainda mais obscura.
Só que, ao mesmo tempo que a lógica da história se modifica, o espaço e encenação mudam também. Uma praia comum se torna o palco para uma história de realeza. Uma comunidade pobre atual vira um espaço conector entre dois mundos. E assim por diante. Lacote consegue articular muito bem a história em primeiro plano com a história dentro da história justamente por nos transportar para essa fantasia, uma fuga da realidade que nada mais é do que a única chance de salvação do protagonista.
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: La Nuit Des Rois
Data de lançamento: 31 de julho de 2021
Direção: Phillipe Lacote
Elenco: Steve Tientcheu, Denis Lavant, Abdoul Konaté
Gêneros: Drama, Fantasia
Nacionalidade: Costa do Marfim