“O Tigre Branco” conta a história do jovem Balram, um indiano de família pobre que começa a trabalhar como motorista para uma família de elite. Ali, ele vê a única oportunidade possível de subir de vida, ainda que por meio de atitudes questionáveis.
O filme está disponível na Netflix.
Múltiplas visões
Muitas vezes apontado (com razão) como um recurso preguiçoso de roteiro, a narração em off surge em “O Tigre Branco” como um importante recurso de linguagem. Primeiro, ele serve para nos aproximar de seu protagonista e da realidade do país em que vive. Entretanto, é ao servir como respiro para o ritmo pulsante da obra que o voice over ganha contornos ainda mais interessantes. Acima de tudo, é um filme sobre uma relação de poder em um país que proíbe desde o nascimento a ascensão daqueles da base. Um local em pleno desenvolvimento tecnológico, mas que restringe bilhões de pessoas à falta de saneamento básico.
Porém, apesar do sistema de castas ser algo indiano, os problemas da desigualdade social, em que alguns abusam do luxo e da impunidade, enquanto outros vivem na extrema pobreza, é mundial. E é justamente nesse equilíbrio entre o peculiar àquela sociedade e os elementos de identificação global que o filme se sai muito bem. Apesar de ser americano (filho de pais iranianos), Ramin Bahrani demonstra muita segurança ao retratar a cultura indiana de forma ampla e complexa. Ele faz questão de evidenciar as figuras religiosas e aquilo que há de mais belo no país, mas, ao mesmo tempo, não poupa e nem glorifica a pobreza e as condições subumanas de existência presentes no país.
Essa alternância de certa forma conversa com o ritmo estabelecido pelo filme, entre o glamoroso e a realidade dura, o poder e a subserviência. O mesmo que vai ser retratado também entre a relação do protagonista com seus patrões e seus momentos mais íntimos e reflexivos, marcados pela narração em off.
Dessa forma, acompanhamos um personagem dividido entre a tentativa de agradar a qualquer público e uma raiva crescente pelo tratamento que recebe de quem o emprega. Aquele típico caso dos patrões que se dizem da família do empregado, em certa medida até acreditam nisso, mas quando são colocados à prova pelo roteiro, não hesitam ao explorar, maltratar ou usar o jovem motorista como bode expiatório. Ao mesmo tempo, sentem um ar de superioridade intelectual, mas são incapazes de perceber o desejo de vingança crescente no seu subordinado.
Entretanto, o filme consegue encontrar uma humanidade no casal jovem que emprega e convive com Balram, sem nunca cair para uma vilania exagerada ou caricatura. Por mais que eles nunca se sintam realmente iguais ao motorista, é possível perceber uma preocupação maior por parte deles com a desigualdade, uma tentativa de luta por justiça social, ainda que apenas com o objetivo real de manter a consciência limpa. Assim, surge um conflito geracional bem estabelecido também. As castas parecem perder força nas gerações mais jovens, mesmo que essas ainda se aproveitem do benefício de berço.
O mesmo vai aparecer nas mudanças sofridas pelo país como um todo, que aos poucos passa a se colocar em posição de relevância na economia mundial, tornando-se uma ameaça para as grandes potências. O problema é que isso segue aumentando ainda mais a desigualdades dentro do país, não permitindo a jovens como Balram a possibilidade de ter uma vida decente por vias legais.
E é por toda essa preocupação de criar camadas críveis à jornada do protagonista que, quando ele toma atitudes reprováveis, somos capazes de entendê-lo, ainda que sem concordar com tais feitos. Ao mesmo tempo, o filme se fecha bem ao mostrar como o personagem nunca esquece de onde veio e pelo quê passou, fazendo dinheiro sem necessariamente subjugar nenhum de seus funcionários. O fato dele nunca ser incriminado por puro preconceito do sistema é apenas a cereja do bolo dessa história.
Então, “O Tigre Branco” aparece como uma ótima adição de catálogo da Netflix, ao retratar sem floreios uma realidade que tenta ser escondida a todo custo.
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The White Tiger
Data de lançamento: 22 de janeiro de 2021
Direção: Ramin Bahrani
Elenco: Adarsh Gourav, Priyanka Chopra
Gêneros: Drama
Nacionalidade: EUA