Pássaros de Verão
“Pássaros de Verão” retrata o início da produção em massa de maconha na Colômbia. Um período que coincide com as origens do narcotráfico naquele país. Uma família de indígenas vê-se envolvida numa guerra pelo controle desse negócio perigoso que acaba destruindo as suas vidas.
Subvertendo o gênero
Estamos acostumados com obras sobre o narcotráfico colombiano moldadas sob uma visão idealizada e quase romântica do tráfico de drogas. Geralmente temos um protagonista anti-herói, pelo qual torcemos ou criamos algum tipo proximidade, mesmo sabendo que no final ele não saíra vivo para contar a história. Porém, também são comuns filmes americanos com agentes bonzinhos tentando vencer o “mal sul-americano das drogas” (como se os EUA não fosse o grande consumidor histórico responsável pela ascensão do narcotráfico).
Ainda que seja possível encontrar boas obras recentes nesses dois modelos, como as primeiras temporadas de “Narcos” (2015-17) e o excelente “Sicário” (2015), trata-se de um gênero que pouco de novo tem a agregar ultimamente. E é aí que “Pássaros de Verão” ganha ainda mais destaque.
Vindo do excepcional “O Abraço da Serpente” (2015), o colombiano Ciro Guerra se une agora a sua ex-esposa Cristina Gallego (que produziu os filmes anteriores do cineasta) na direção de um conturbado longa que causou a separação do casal. Entretanto, nada da relação entre eles transparece em tela. Harmonia é uma das palavras definidoras de “Pássaros de Verão”.
Poesia e realidade
É notável a influência (direta ou indireta) de Terrence Malick nas obras de Ciro Guerra. E isso está ainda mais presente em seu novo longa. A poesia em um mundo violento em degradação aqui recorda o belíssimo “Além da Linha Vermelha” (1998), longa mais brilhante do cineasta americano. O mesmo pode ser visto pela forte presença visual e alegórica da natureza em ambas as obras.
Ciro e Cristina deixam a narrativa se desenvolver em seu tempo, sem ter medo de interromper momentos mais tensos com o intimismo que o ambiente colombiano das décadas de 1970 e 1980 trazia. A relação dos complexos e bem atuados personagens com a natureza não é algo aleatório, mas é como um elo de proximidade que só pode ser quebrado com a morte. Mais do que cobiça e dinheiro, os personagens vivem uma constante busca por poder e domínio dessa terra e de suas tradições.
E não poderia ser mais simbólico que a destruição dessa família indígena venha de algo tão natural e específico daquele ambiente como a folha de maconha. Da mesma forma que aquele espaço moldou suas personalidades, é este mesmo que os corrompe.
Relações humanas
Além da relação com a natureza, é comum nas obras do diretor o foco nas relações humanas. Aqui a dupla trabalha estas das mais diferentes formas imagináveis, quase sempre em uma constante vulnerabilidade de emoções em que gera a completa insegurança para com o próximo. Algo quase contraditório, já que eles fazem parte da mesma família.
Tudo isso ajuda a criar uma atmosfera crua e que não podia ser mais real. A divisão de cinco atos completamente irregulares entre si traz a falta de uniformidade presente na vida. A ascensão jamais levará o mesmo tempo da queda, ainda mais se esta vier de uma guerra, que aqui mancha de sangue o solo tao sagrado para os personagens. Sangue esse que já vinha sendo anunciado com fortes simbolismos desde a bela e marcante dança inicial.
Dessa forma, “Pássaros de Verão” substitui a narrativa clássica do gênero ao ser tratado por pessoas que conhecem de perto o narcotráfico. Ao invés de romantizar, a dupla de diretores traz a realidade cruel que manchou de sangue e incerteza toda a bela poesia que o solo sagrado deles representa.
Nota: 9.0
Assista ao Trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Pájaros de Verano (Pássaros de Verão)
Data de lançamento: 22 de agosto de 2019 (2h 06min)
Direção: Ciro Guerra e Cristina Gallego
Elenco: Natália Reyes, Carmina Martinez, José Acosta mais
Gêneros: Drama, Violência
Nacionalidade: Colômbia