Apesar de ser um conceito que necessita de discussões cada vez mais amplas, o racismo estrutural é um fato ainda distante das principais pautas, especialmente quando estamos falando de políticas públicas. Nesse sentido, em nossa realidade cotidiana, existem várias expressões que já fazem parte do nosso vocabulário e que, no entanto, representam um conjunto de práticas institucionais, históricas, culturais e interpessoais que relacionam a imagem das pessoas de pele preta a algo pejorativo e sem qualidade. Isto normalizou-se de tal forma que, na maioria das vezes, reproduzimos o preconceito de raça através dessas expressões ao ponto de nem percebermos. Mas, será que estamos mesmo conscientes daquilo que falamos e da importância de deixar de usar expressões racistas em nosso dia a dia?

É muito provável que você já tenha ouvido coisas como mulata e, principalmente, a coisa tá preta, não é mesmo? Inconscientemente, muito em virtude do legado discriminatório de séculos da nossa sociedade, não nos damos conta do quão perigoso é esse comportamento. Sendo assim, ao refletir o mínimo que seja sobre essa postura abominável, podemos ter mais consciência do peso da nossa própria fala e como, nesses casos, ela reforça a opressão e o preconceito mediante a visão de mundo nos mais diferentes contextos.

Os 300 anos de passado escravista não são suficientes para trazer à mente das pessoas a necessidade de lutar contra o racismo diário. É tanto que termos de cunho discriminatório são amplamente reproduzidos nos nossos ciclos sociais sem nenhum pudor ou preocupação, mesmo que estejamos no século XXI, mostrando, assim, a importância de ampliar as discussões em torno do assunto. Apesar de se falar mais sobre isso nos dias de hoje, ainda estamos distantes de um cenário ideal de conscientização contra práticas de fala racistas que se tornaram tão naturais no cotidiano e que aprendemos quando ainda somos singelas crianças.

A verdade é que a liberdade de expressão de uma pessoa pode facilmente se confundir com uma conotação racista que, mesmo não se tendo a intenção de produzi-la, acaba-se perpetuando-a ainda mais na sociedade. Um dado interessante levantado por Luiz Henrique Rosa, professor de biologia, dá conta de que há, no mínimo, 360 termos racistas sendo reproduzidos pelas pessoas. A pesquisa feita no Rio de Janeiro faz parte do projeto “Qual é a graça” e foi desenvolvido junto aos alunos no ano de 2009.

Confira abaixo algumas expressões racistas que você talvez não conheça e que reforçam a opressão e o preconceito e veja porquê substituí-las por outras que não ofendam as pessoas negras, cativando, assim, uma sociedade menos violenta e mais igualitária.

Conheca alguns dos termos racistas do vocabulario e veja a importancia de deixar de usalas no dia a dia 1

“Cor de pele”

Uma das expressões racistas que aprendemos cedo na vida é “cor de pele”, em que somos levados a acreditar que a verdadeira cor da pele é o daquela tonalidade de lápis meio rosado. Depois de crescidos, porém, entendemos o teor racista por trás da expressão, uma vez que ela não representa a pele de todas as pessoas.

A expressão não passa de uma incoerência gigantesca, principalmente em um país como o Brasil que, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), através do IBGE, no ano de 2014 53% dos brasileiros se declararam pardos ou negros.

“Doméstica”

Uma das expressões racistas que mais passam despercebidas por nós é, sem sombra de dúvidas, “doméstica”, tão comum no nosso dia a dia. Isso porque a palavra se refere a uma suposta necessidade de “domesticar” negros, como animais rebeldes, por terem de passar por uma espécie de “correção”.

“Estampa étnica”

No mundo da moda, isso parece não haver problema algum. “Estampa” é, neste ambiente, uma referência criada pelo olhar eurocêntrico. No entanto, é necessário destacar que a região de origem aqui faz toda a diferença no cunho da expressão, principalmente porque, ao vir da África, por exemplo, a expressão é associada ao “exótica”, recebendo uma conotação “étnica”.

“A dar com pau”

Você sabia que, no período da escravidão, muitos dos capturados preferiam morrer a serem escravizados? A expressão “a dar com pau” está diretamente associada aos navios negreiros, uma vez que parte dos escravizados fazia greve de fome na travessia entre o continente africano e o Brasil e, numa tentativa de obrigá-los a comer, os opressores se utilizavam de uma espécie de “pau de comer” para jogar comidas como angu e sopa, por exemplo.

“Meia tigela”

Ao não conseguirem alcançar as “metas” que eram determinadas nas minas de ouro, os negros recebiam como punição apenas metade da tigela de comida. O apelido “meia tigela”, nos dias de hoje, representa algo sem valor.

“Mulata”

Na língua espanhola, referia-se ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua. A enorme carga pejorativa é ainda maior quando se diz “mulata tipo exportação”, reiterando a visão do corpo da mulher negra como mercadoria. A palavra remete à ideia de sedução, sensualidade.

“Cor do pecado”

Essa expressão está associada diretamente à sensualização e objetificação do corpo da mulher negra. Pecado aqui intensifica ainda mais a carga negativa posta à desgniação, principalmente em uma sociedade religiosa como a nossa.

“Samba do crioulo doido”

“Samba do crioulo doido” dá nome ao samba de Sérgio Porto (pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta) que satirizava o ensino de História do Brasil nas escolas do país nos tempos da ditadura. Essa expressão apresenta uma inclinação de deboche e significa confusão ou trapalhada, intensificando um estereótipo em relação aos negros.

“Morena”, “Mulata”

É comum imaginar-se, mesmo que de forma inconsciente, que chamar alguém de negro é ofensivo, por isso, muitas vezes busca se usar palavras como “morena” ou “mulata” numa tentativa de “amenizar” a situação. No entanto, o problema se dá no fato de que, ao se fazer isso, tenta-se “embranquecer” a pessoa referida, atitude amplamente racista. Apesar dos diversos tons de pele negra, o absurdo é achar que uma pessoa é mais ou menos negra.

Já “mulata” vem de mula. O híbrido originado pela reprodução de burro com égua também dava nome ao filho do homem branco com a mulher negra.

“Negro(a) de traços finos”

Seguindo a mesma ideia de “embranquecimento”, “negros de traços finos” refere-se à “beleza exótica”, fora dos padrões da estética branca e europeia.

“Não sou tuas negas”

Essa expressão é uma clara objetificação da mulher negra, tendo em vista que a coloca numa situação de “servidora” ou de alguém que “faz tudo”.

“Cabelo ruim/pixaim/duro/de bombril”

Diante de toda uma ideologia muito forte nos dias de hoje de associar o cabelo afro à má qualidade, essa é uma das expressões racistas mais frequentes nos dias de hoje e que você precisa tirar de seu vocabulário urgentemente. Portanto, nunca use referências como “fios “rebeldes”, “cabelo duro”, “carapinha”, “mafuá”, “piaçava”, além de outros.

“A coisa tá preta”

Se você associa essa expressão a uma situação difícil, complicada ou até mesmo impossível de ser resolvida, voce está sendo racista. Isso porque “a coisa tá preta” rebaixa a imagem do preto ou negro ao desagradável. Para tanto, passe a usar “a coisa tá ruim” e deixe de ser estúpido.

“Da cor do pecado”

Outra expressão racista que tenta passar como elogio, “da cor do pecado” refere-se a uma pele branca queimada do sol. Mais uma vez associando o corpo negro ao pecado, essa é outra expressão que objetifica do corpo, como se fosse um pecado ter a pele negra.

“Tem um pé na cozinha”

A expressão se refere à negra escravizada, que vivia para servir a família branca. No período da escravidão, a cozinha era o único lugar permitido às mulheres negras, uma realidade bastante comum ainda no Brasil.

“Criado-mudo”

Como o próprio nome já indica, “criado-mudo” refere-se a uma pessoa criada apenas para servir. Aqui, a pessoa em questão é o escravizado, que que ficava ao lado da cama, em silêncio e em pé, a postos para servir seu senhor com comida.

“Boçal”

Com carga pejorativa de vagabundagem, a expressão é usada para chamar alguém de ignorante. A referência aqui é ao escravizado, que acabara de chegar ao Brasil e não sabia falar a língua portuguesa

“Nhaca”

Ilha de Maputo, em Moçambique, onde vivem até hoje os povos Nhacas, um povo Bantu. Chamam de inhaca o odor corporal, relacionando-o ao povo preto

“Denegrir”

Essa, particularmente, eu aprendi recentemente. “Denegrir” ou “tornar negro” refere-se, de forma maldosa e ofensiva, a uma ideia de querer difamar, “manchando” uma reputação que antes era “limpa”. Essa expressão racista mais uma vez associa a imagem negra a uma coisa negativa, desqualificada.

“Serviço de preto”

Referindo-se à ideia de “tarefa malfeita” ou “realizada de forma errada”, essa expressão busca colocar o trabalho realizado por pessoas negras como algo sem qualidade.

“Mercado negro”, “magia negra”, “lista negra” e “ovelha negra”

Parecidas com as expressões acima, essas são usadas com a intenção de falar que determinadas coisas são ruins, sem qualidade, pejorativas, prejudiciais ou mesmo ilegais. “Ovelha negra”, por exemplo, refere-se ao rebelde sem causa, desalmado, etc.

“Inveja branca”

Associar o branco a algo positivo é mais velho do que o próprio Jesus Cristo. “Inveja branca” intensifica a ideia de associar pessoas pretas a comportamentos negativos.

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