Mitos e verdades sobre a legislação da maconha no Brasil por quem entende do assunto
Pode plantar? Até quantos pés é proibido? Já tem gente usando medicinal? Posso comprar semente, abrir um negócio de maconha? Muita coisa a gente ouve falar, mas nunca sabe mesmo se é verdade.
O Hypeness (esses lindos) entrevistaram os dois maiores advogados – e ativistas – brasileiros para te mostrar qual é de fato a situação da maconha hoje no Brasil.
Um dos advogados é o Fernando Santiago, que é ativista e vem regularizando tudo o que vê pela frente relacionado a erva. Com o título de empreendedor jurídico, seu trabalho nada mais é que analisar tendências de possíveis B.O.s que podem aparecer no cenário judicial brasileiro. Ou seja, ele prevê certas mudanças de comportamento, estuda o terreno, e na hora que a bomba estoura ele tem as cartas na manga. E agora seu objeto de trabalho é a maconha.
“Quando eu comecei a estudar, cai em um cenário europeu da legalização muito avançado – e que tem dado muito certo no mundo todo. Entrei de cabeça em 2015, 2016; e mapeei todas as empresas, negócios e frentes cannábicas do país. Vi as tretas que deram nos outros países, as que poderiam dar aqui. E assim começa o meu trabalho: reinterpretar as leis já existentes para avançar no processo de descriminalização seguindo exemplos de sucesso em outros países – sem excluir a realidade brasileira”, conta Fernando.
Para começar, a primeira e talvez principal dúvida é se estamos em frente de um cenário otimista. E ele me assegura que sim. “Vivemos um processo educacional que é de literalmente entrar dentro da polícia, do Ministério Público, tribunais, etc, mostrando – como uma aula mesmo – o que queremos com a descriminalização da maconha. Como não confundir o tráfico com um clube, como a planta pode ser usada, qual é o grande problema das prisões mal feitas… Enfim, é educando que a gente chega lá!”.
Para que não haja dúvidas sobre o que pode e o que não pode, o que é crime e o que não é, o que fazer e o que não fazer.
1. É proibido plantar maconha no Brasil?
SIM.
Mas eu poderia ficar preso por isso?
NÃO.
Por que?
De acordo com o artigo 28, parágrafo 1º da lei 11.343, as pessoas pegas com pequena quantidade de drogas ilícitas para uso pessoal serão submetidas a: um esporro de um juiz, serviços comunitários, além de assistir uma palestra sobre o efeito das drogas.
E, sendo a maconha ainda considerada como uma droga ilícita, isso significa que se você for caracterizado com usuário não pode ser preso, justamente porque vai em cana quem é qualificado como traficante. Ou seja, tudo depende da interpretação do policial, do juiz e do processo.
“O problema é que a polícia quando descobre um cultivo não investiga sua finalidade, e dependendo da pessoa, do cultivador (branco ou preto, rico ou pobre), enquadra ele como usuário ou traficante”, afirma nossa segunda fonte de informação direto da raiz de quem luta bonito pela causa, o também advogado, ativista, carioca Emílio Figueiredo.
“A nossa maior luta hoje pela descriminalização é para que seja regulamentado o uso recreativo da Cannabis sativa: uma conquista que se demonstra cada vez mais concreta”, explica Fernando.
Fernando se refere, por exemplo, a casos em que pessoas foram pegas com mais de 120 pés de maconha em casa e não foram presas – justamente por serem enquadradas como usuárias – uma vez que foi julgado que o plantio daquelas plantas era de uso restrito e pessoal.
2. É possível comprar semente de maconha – vinda de outro país, pela internet?
SIM.
Mas e aí, pode ou não pode?
DEPENDE.
Pode parecer uma resposta absurda para uma matéria que desde o princípio se diz séria. Mas vamos lá: a questão é jurídica e aqui, tudo depende da interpretação do juiz que julgará o indiciado, caso ele seja acusado de criminoso ao portar sementes da erva. Primeiro porque não existe legislação específica sobre a licitude ou ilicitude da importação de sementes.
Há 4 vertentes nos julgamentos. Há aquela que entende se tratar de tráfico, por considerar a semente uma matéria prima ou insumo para a produção de maconha. O segundo entendimento é que a importação de semente é contrabando, por ser a planta proscrita e não cadastrada no registro nacional de sementes. O terceiro entendimento é que a importação é para consumo próprio, enquadrando quem encomenda no art. 28 do usuário. E a quarta vertente é que importar sementes não é crime, é o chamado fato atípico, pois as sementes não estão expressamente previstas na lei de drogas. Ou seja, não dá para falar se tem ou não THC, se é ou não é uma “droga”.
“Os julgamentos que estão acontecendo não tem efeito vinculante e não valem para os demais casos, assim ainda não há segurança jurídica sobre esse tema. Cabendo a quem optar por importar ter ciência que não há como prever o que vai acontecer, assim como pode receber a encomenda, também corre o risco de ser processado criminalmente”, completa Emílio.
3. Existe clube de maconha no Brasil?
SIM.
Como, depois de tudo o que você acabou de falar?
Voltando ao que eu expliquei lá em cima, o trabalho do Fernando é regulamentar comportamentos relacionados ao universo cannábico de acordo com a leis existentes no cenário atual.
Sabendo que hoje existem pelo ou menos mais de 20 clubes de maconha no Brasil, a concretização de um projeto como esse se dá diante de uma assessoria jurídica que, vai ao cartório, emite um CNPJ e regulariza a criação de uma associação de agricultores – deixando subentendido que a finalidade é o plantio da Cannabis e que todos os membros são usuários.
Vovós fumando maconha pela primeira vez
No entanto, nenhum deles é regulamentado como deveria (clube de maconha). “Estamos na luta para isso. Mas já temos diversas iniciativas que se modelam como clube e procuram a regulamentação”, coloca Fernando.
“O mesmo aconteceu na Espanha há alguns anos. Mas um dos erros que a gente já identificou é a disseminação desenfreada desses grupos. Portanto, apostamos que quanto mais restrito, melhor”.
Emílio também comenta que a constituição de clubes de maconha é a vanguarda do momento no mundo todo como uma forma de suprir a demanda sem cair na lógica competitiva do mercado. “No Brasil isso só é possível com o reconhecimento de que a criminalização do usuário e cultivador para consumo próprio é inconstitucional por violar diversos direitos fundamentais. Uma vez não sendo crime portar e cultivar a maconha o próprio uso, nada impede que cultivadores domésticos se juntem e cultivem juntos para minimizar gastos e risco inerentes ao cultivo. Ainda não há um roteiro claro de como proceder, o que é certo é que deve haver o acompanhamento de um advogado que demande pelos direitos dos associados do clube”.
Caso THC Procê
Mas como nem tudo são flores, algumas vezes essas corajosas tentativas acabam se tornando um transtorno. Foi o caso do THC Procê, o Sérgio tem um canal no Youtube que ensina técnicas de cultivo além de um clube onde ajudava com sementes, adubo e práticas de jardinagem para consumo próprio – recreativo ou medicinal.
O TCH Procê foi preso em 2016, passou meses no cárcere, está em liberdade, porém voltou a ser julgado em abril e aguarda pela decisão do juiz. Tudo que ele precisa é ser julgado como usuário, não traficante.
Diante de todo esse caos, o Sérgio topou gravar uma entrevista explicando melhor essa história. Dá só uma olhada:
4. Maconha medicinal no Brasil é proibida?
NÃO.
Então quer dizer que pode ser prescrita e importada?
DEPENDE.
“Primeiro, não existe maconha medicinal. Maconha é sempre maconha. O que existe é o uso terapêutico da maconha. No Brasil já existem 2370 autorizações de importação de produtos de maconha para servir como ferramenta terapêutica. Para obtê-las, é necessário que um médico prescreva o produto de maconha e faça um laudo descrevendo o estado clínico da pessoa e todas alternativas já tentadas. Essas autorizações são para doenças como autismo infantil, carcinoma, depressão, distonia, dor crônica, encefalopatia, epilepsia, esclerose, esquizofrenia, fibromialgia, paralisia cerebral, parkinson, retardo mental e transtorno do desenvolvimento”, afirma Emílio.
Um dos principais símbolos dessa luta foi o documentário Ilegal, 2014, do Tarso Araujo. O filme acompanhou a batalha de Katiele Fischer, mãe de Anny, de sete anos, que foi diagnosticada com uma síndrome rara, que chegou a causar até 80 convulsões por semana. Diferente e depois do final do filme (cuidado SPOILER!), no final de 2015 a Justiça Federal determinou que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) retire o Tetrahidrocannabinol (THC), composto também presente na maconha, da lista de substâncias proibidas no Brasil.
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Também vale ressaltar que, no Brasil, 3 famílias tem salvo-condutos para cultivar maconha para tratar seus filhos. Aqui, em um dos casos, o próprio Emílio entrou com uma ação civil para discutir o direito à vida. Além de pedir um habeas corpus a fim de que nenhum policial possa ferir a liberdade individual dessas pessoas envolvidas enquanto não terminasse o julgamento.
5. É possível empreender no ramo da cannabis legalmente no Brasil?
SIM.
A Cannabis em si continua proibida, mas há vários produtos relacionados a ela que são permitidos. Coloque na lista toda a parafernália para consumo como papeis, cachimbos, piteiras, e assim os chamados produtos de life style.
“Meu objetivo de imediato não é mudar a lei. É fazer com que os negócios que eu toco como assessor jurídico de empreendedorismo relacionado a maconha existam e sejam enquadrados em regulamentações como as do cigarro, na bebida. Isso significa colocar avisos de ‘proibido para menores’, ‘use com moderação’, e por aí vai”, resume Fernando.
Além disso, vem crescendo o número de growshops na Terra Tupiniquim. Emílio acredita que com a evolução da regulação da maconha no Brasil, as fronteiras do empreendedorismo cannábico crescerão muito. “Serviços e produtos específicos para as etapas do ciclo da Cannabis serão cada vez mais necessários”.
E já tem muita coisa rolando! É justamente sobre ele, o empreendedorismo cannábico ,que vamos falar na nossa próxima matéria desta série que promete acalorar o ativismo pela descriminalização da maconha no Brasil.
Aguarde! 😉
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