“A Maldição da Mansão Bly” conta a história de Dani Clayton, contratada para trabalhar como au pair na Mansão Bly e cuidar de dois irmãos órfãos. Lá ela conhece a governanta Hannah, o cozinheiro Owen e a jardineira Jamie. Mas o local é muito mais assustador do que ela pensava.
A minissérie é a segunda temporada da série “A Maldição”, que já teve “A Maldição da Residência Hill” em seu primeiro ano, e está disponível na Netflix.
Terror para fins dramáticos
Como é comum nas obras do ótimo Mike Flanagan (“Doutor Sono”, “A Maldição da Residência Hill”), o terror em “A Maldição da Mansão Bly” é subvertido para ressaltar o drama de seus personagens. Não à toa, o showrunner não tem vergonha nenhuma de expor alguns dos maiores clichês do gênero já no primeiro episódio para depois transformá-los em importantes pontos da trama capazes de reforçar o estado emocional dos personagens.
Pegamos como exemplo o uso do reflexo no espelho para gerar jump scare, um dos clichês mais pobres do gênero de terror, mas que mesmo assim ainda é utilizado a exaustão. Flanagan utiliza o recurso rapidamente e, então, percebemos que aquilo já é algo recorrente na vida da protagonista, e, se ela continua se assustando é justamente porque é capaz de esquecer o seu trauma de vez em quando. Porém, o roteiro não para por aí, ele vai a fundo na relação de Dani com o homem do espelho, o que revela o ótimo arco da protagonista, tanto no que diz respeito ao passado que a atormenta quanto a sua sexualidade.
Outro bom exemplo é a noite, sempre tratada em filmes de terror como o único momento de real perigo. Aqui, mais uma vez, a série justifica isso desde o primeiro capítulo, ao mesmo tempo que sugere um conhecimento maior para os dois irmãos e, mais para frente, explora esse monstro noturno de maneira inesperadamente complexa.
Todavia, se até a assombração é bem desenvolvida, não poderia ser diferente com os demais. E não posso negar que adoro ver obras de terror em que sinto algo por aqueles personagens. Isso é definitivamente o que acontece em “A Maldição da Mansão Bly”. Não só somos apresentados às vidas e motivações de todos os integrantes do local como também vemos o desenvolvimento de relações bastante complexas, como a libertação de Dani e a crescente tensão sexual entre ela e Jamie, o amor impossível entre Owen e Hannah, o excesso de conhecimento dos dois irmãos, que ao mesmo tempo tentam ajudar os demais moradores do local, mas são atormentados por devaneios, e o relacionamento complicado e abusivo entre Peter (Oliver Jackson-Cohen fez papel semelhante no recém lançado “O Homem Invisível”) e Rebecca.
A mansão
Entretanto, não são apenas os personagens que conhecemos a fundo. Flanagan demonstra mais uma vez muita habilidade ao nos mostrar a geografia do local, elemento sempre importante, mas muitas vezes esquecido no gênero. Ao passear pelos cômodos, com o plano quase sempre aberto, somos apresentados à mansão por completo e conseguimos identificar rapidamente onde se situa cada quarto, além do lago, estufa, cozinha etc. Isso nos ajuda a compreender a movimentação das personagens entre o espaço, sobretudo nos momentos em que essas correm perigo.
Porém, mais do que nos apresentar ao local, Flanagan, junto à direção de fotografia e ao design de produção, é capaz de criar uma atmosfera sombria ao trazer um mundo próprio e misterioso dentro daquela casa. Os quartos escondidos, o lago, a floresta próxima, a falta de vizinhos, o sótão e enquadramentos que sempre escondem algo, como os vários momentos em que as crianças desviam o seu olhar para o espaço vazio atrás dos personagens com quem conversam, ajudam a dar vida àquela mansão, afastando-a de alguns dos clichês de casa mal assombrada ou explorando elementos recorrentes de forma bastante inteligente.
Mas é graças a montagem e o bom uso de raccords que a série ganha forma. A narrativa não-linear trabalha não só flashbacks como também devaneios e sonhos. Dessa forma, muitas cenas são reproduzidas várias vezes, apenas com pequenas alterações, além dos personagens saírem da realidade para um momento do passado sem se dar conta disso. Porém, essas escolhas narrativas nunca se tornam cansativas e os cortes são sempre suaves para manter o desenvolvimento fluído da trama. Longe de ser apenas um malabarismo estilístico, a montagem é capaz de nos transportar para dentro da subjetividade daqueles personagens, muitas vezes confundindo presente e passado, realidade e devaneio.
Atmosférica, mas não aterrorizante
Por mais que Flanagan sempre dê uma atenção para o desenvolvimento dramático de seus personagens e goste de subverter clichês do terror, ele também é capaz de criar uma atmosfera sombria e cenas genuinamente aterrorizantes. Contudo, em “A Maldição da Mansão Bly”, senti falta desses momentos que me deixassem na ponta do sofá, algo que a primeira temporada tinha de sobra.
E, longe de precisar inventar novos elementos para torná-la mais assustadora, o roteiro perde a oportunidade de explorar melhor alguns fantasmas presentes naquela casa, como o médico, que já é assombroso por conta própria graças a roupa que usava para evitar contágio. Por mais que esses fantasmas não fossem malignos, a simples aparição deles em determinados contextos já seria suficiente para nos causar pavor, até porque descobrimos só no último episódio sobre a falta de maldade neles.
Isso fica ainda mais evidente se compararmos com “A Maldição da Residência Hill”. Um bom exemplo é “homem alto” que perseguia o personagem de Cohen naquela série. Pouco sabemos sobre ele, mas o fato dele apavorar o personagem e estar sempre perto já é mais do que suficiente para nos deixar aterrorizados.
Nesse sentido, “A Maldição da Mansão Bly” se apega muito mais a uma atmosfera (muito bem construída, é verdade) e ao lado dramático das pessoas que ali vivem. Como é dito no último episódio, essa não é uma história de fantasma, e, sim, de amor.
Nota: 8.0
Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz do filme em meu canal, o 16mm.
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The Haunting of Bly Manor
Data de lançamento: 09 de outubro de 2020
Direção: Mike Flanagan
Elenco: Victoria Pedretti, Henry Thomas, Oliver Jackson-Cohen mais
Gêneros: Drama, terror
Nacionalidade: EUA