“Mães de Verdade” acompanha duas mães unidas pelo mesmo filho. A mãe biológica não é capaz de sustentar o seu filho e o coloca para adoção. Ele é adotado por um casal.
O longa faz parte da 44ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Contraste e desconstrução
“Mães de Verdade” é um filme de desconstruções e contrastes. O longa abre com diversos planos da natureza, passeando pela calmaria do mar e da floresta, para em seguida mergulhar nas construções e barulhos desconfortáveis da cidade. Como uma marca na carreira de Naomi Kawase, a exploração da natureza volta a ser importante também para o desenvolvimento narrativo, ao mesmo tempo que serve como uma estilização para trazer o tom passivo e contemplativo do longa. É bem verdade que aos poucos tais planos deixam de ter uma função narrativa para se transformar apenas em um enfeite da diretora. Entretanto, ainda assim, são eles os grandes responsáveis pela passagem de tempo e para equilibrar a história formalmente.
Essa diferença constante entre calmaria da natureza e desconforto da cidade, assim como o contraste entre o azul e o alaranjado, servem também para conflitar inicialmente as duas personagens centrais. Apesar de trabalhar a maternidade com outras personagens também, o foco narrativo está em Satoko e Shizue, as mães adotiva e biológica, respectivamente. O conflito surge quando a segunda reaparece na vida da primeira para pedir dinheiro. Então, Kawase começa a fazer uma série de desconstruções logo após criarmos uma preconcepção daquelas personagens.
Satoko aparece inicialmente como uma dona de casa que vive apenas para cuidar do filho, até que o primeiro flashback do longa nos mostra como ela chegou ali. Conhecemos também sua relação com Kiyokazu e, sutilmente, vemos qual dos dois foi obrigado a abandonar a carreira para cuidar do filho. Em seguida, mais um flashback vai ter papel crucial na construção de Shizue. Inicialmente ela surge como uma vilã e, aos poucos, entendemos a difícil jornada que a levou até ali, além do seu sempre presente amor pelo filho que não conheceu.
Ainda que menos presente, vai ter ainda um terceiro ponto de vista nessa história: o de Asato. Regularmente, Kawase vai usar o plano subjetivo do menino, quase sempre espiando os acontecimentos importantes da cena. Ainda uma criança, Asato é incapaz de ter o controle da sua própria vida e, por isso, a narrativa vai se atentar muito mais a conexão entre suas duas mães do que ao sentimento dele naquela situação.
Humanização e duração
Dessa forma, a cineasta cria um retrato sólido e bastante poético da realidade das duas personagens centrais (além de trazer também um tom autobiográfico à obra). O tom passivo funciona aqui justamente porque estamos quase como na pele de Asato, somos apenas observadores daquela história, não temos o direito nem de julgar as escolhas daquelas duas mães. E isso só funciona porque Kawase consegue humanizar tanto suas personagens principais quanto todas as secundárias, até mesmo aquelas que sentimos raiva somos capazes compreendê-las.
Entretanto, aos poucos, esse retrato humanizado começa a perder força para dar lugar a um retrato meramente estilizado. As mais de duas horas do filme pesam pela falta de uma história capaz de preenchê-las. O terceiro ato não só perde o foco como recorre a elementos de roteiro que enfraquecem a jornada de Shizue apenas para justificar sua presença na vida de Satoko. Seria muito mais eficiente se Kawase criasse uma elipse temporal ao invés de nos mostrar todos os passos da personagem, sobretudo a ação de uma colega que motiva sua busca por dinheiro.
E é justamente a duração da narrativa que faz com que o estilo da cineasta deixe ter uma função que não apenas estética. A câmera flutuante, os diversos planos detalhes, o uso constante de silêncios, os planos da natureza e os muitos lens flare deixam de funcionar dramaticamente a partir da segunda metade do longa.
Assim, “Mães de Verdade” é um poético, poderoso, emocionante, mas imperfeito retrato sobre adoção e maternidade. Pode não ser o melhor trabalho da cineasta japonesa, mas sem dúvida vale muito a pena ser conferido.
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Asa Ga Kuru
Data de lançamento: Lançamento online pelo site da Mostra de SP
Direção: Naomi Kawase
Elenco: Hiromi Nagasaku, Arata Iura, Miyoko Asada
Gêneros: Drama
Nacionalidade: Japão