“King Richard: Criando Campeãs” acompanha Richard Williams, o pai das tenistas Venus e Serena Williams, e seu plano para tornar suas filhas esportistas vencedoras.
O filme está disponível nos cinemas.
Os problemas das cinebiografias
“King Richard” sacrifica a linguagem cinematográfica para conquistar seu objetivo evidente: levar Will Smith para o Oscar de Melhor Ator.
Ainda hoje, a esmagadora maioria dos espectadores acreditam que um filme se resume a uma “boa história”. Mesmo impactadas pelas imagens e pelos sons, não só no cinema, mas diariamente em suas vidas, as pessoas não entendem uma força muito mais poderosa do que a história em si: como essa história será contada.
Por isso, todos anos, em meio a ótimos filmes, sempre há pelo menos uma meia dúzia que visa o Oscar acima de tudo e, para isso, recorre aos mesmos artifícios utilizados desde a Hollywood clássica. Não se importando em como contar a história, os chamados oscar bait se contentam em colocar o fato real (a maioria é baseada em fatos reais) como o foco da obra, mas pouco ligando como irá narrar esses fatos.
Não à toa, a cinebiografia parece cada ano mais cair no ostracismo, na completa falta de inventividade, já que os estúdios perceberam que nesse caso o fato real vende muito mais do um bom filme. Não que isso aconteça sempre, ainda há diretores que não se acomodam e criam ótimas obras do gênero, como o brilhante Martin Scorsese. Mas estes estão muito mais para exceção do que para a regra.
E, nesse sentido, “King Richard” se adequa à regra, utilizando-se de uma cartilha pronta da cinebiografia que o Oscar gosta. O personagem retratado tem então sua vida posta em uma espécie de Wikipédia, fazendo da narrativa apenas um artifício para pular de eventos importantes em eventos importantes.
Assim, sem dar tempo ou espaço para o público viver aquela obra, o diretor Reinaldo Marcus Green recorre aos mesmo elementos estéticos usados há mais de 50 anos, que ainda emociona o público menos acostumado a assistir filmes de fora dos Estados Unidos e se conforta no que lhe parece comum. Somos então obrigados a se emocionar a todo custo com frases de efeitos, monólogos, uma trilha sonora manipulativa e os closes em personagens escorrendo lágrimas.
Quase não há espaço então para momentos realmente genuínos capazes de impactar por um uso mais sofisticado da linguagem. Eles até existem aqui, como em um tiroteio inesperado que nos choca pela surpresa, ou em uma piada sutil, mas extremamente pesada que Richard faz citando “capuzes”, em clara referência a Klu Klux Klan.
Só que esses momentos são raros, já que Green está muito menos interessado em trazer algo novo e tornar “King Richard” marcante. Ele se contenta em fazer do filme algo comum, que vemos aos montes todos anos, capaz de emocionar alguns hoje, mas esquecido por muitos em poucos meses.
O mesmo vale para a decupagem, para o texto e para as atuações. Os dois primeiros servem apenas como mera exposição, com todo plano trazendo alguma explicação ou informação, sem se preocupar no “sentir a cena”. Isso acontece, por exemplo, na inserção da televisão como forma de expor o racismo e casos reais, o que justificaria algumas decisões de Richard. O problema é que essa técnica só demonstra a falta de habilidade do roteiro e da direção de inserir esse tema à trama.
O mesmo vale para a atuação de Will Smith, que beira o caricatural e vem recebendo elogios sem qualquer merecimento. O ator pouco se importa em construir um personagem e se perder dentro dele. Ele aceita a mera reprodução dos trejeitos do Richard da vida real, aos moldes do que fez Rami Malek levar o seu infame Oscar. Em nenhum momento vemos um personagem, em todos os momentos vemos o próprio Smith tentando copiar alguém que ele não é. Até a língua presa fica artificial.
Nesse sentido, vale destacar Aunjanue Ellis, que também deve ser indicada, mas, nesse caso, com justiça. As suas poucas aparições são as únicas capazes de criar uma emoção genuína, já que, na sombra do protagonista, ela tem mais liberdade para criar uma personagem real, que não tenta copiar ninguém, mas existe por si mesma. Sua firmeza impressiona, assim como quando se cala é igualmente impactante.
Dessa forma, “King Richard” deve ser um filme reconhecido em algumas categorias do Oscar e vai ser muito bem recebido nos Estados Unidos e nos demais países que veneram os americanos (como é o caso do Brasil), mas certamente não será lembrado por muito tempo.
Nota:
Assista a minha crítica em vídeo:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: King Richard
Data de lançamento: 2 de dezembro de 2021
Direção: Reinaldo Marcus Green
Elenco: Will Smith, Aunjanue Ellis, Jon Bernthal
Gêneros: Drama, Esporte
Nacionalidade: EUA