“Matrix Ressurections” marca o retorno de Neo, levando uma vida tranquila como programador de uma série de jogos chamada “Matrix”… ou pelo menos é isso que ele pensa.
O filme está disponível nos cinemas.
Ironizando as expectativas
Lana Wachowski provoca o fã sabendo que esse vai morder a isca e só provar a visão da diretora sobre o público atual.
Quase 20 anos após o terceiro filme e que teoricamente finalizaria a saga, Matrix Resurrections chega para dar um semi-reboot extremamente bem-vindo para a franquia, por mais que as provocações de Lana possam ter inviabilizado uma possível sequência. Isso porque vivemos em uma época em que o realizador não tem mais o direito de trazer a sua visão, ou pelo menos é assim que o fandom de franquias populares pensa.
Dessa forma, esses fãs acreditam serem os donos da obra (em parte até são, é verdade) e só se contentam se encontrarem exatamente aquilo que já esperavam antes do filme ser lançado. Abro um parênteses aqui para deixar claro que (OBVIAMENTE) ninguém é obrigado a gostar do longa e muitos traçaram críticas sólidas por essa linha, que, por mais que eu discorde de muitas delas, as respeito e vejo muito valor nessa opinião dissidente.
O problema é que a maior parte da rejeição ao longa, sobretudo por parte dos fãs, vem de argumentos que nem sequer são argumentos, já que em quase nada estão relacionados com aquilo que a obra se propõe. Como o oráculo do universo (por mais que essa não era tão difícil de prever), Lana volta a demonstrar sua ousadia despreocupada ao abordar o seu universo da forma que deseja, mesmo tendo certeza da represália dos fãs.
Assim, a diretora não poupa provocações ao fandom, sobretudo aos fãs da franquia que se acham especialistas e ficam tentando decifrar a obra como se houvesse apenas uma verdade e tudo se resumisse a uma mensagem (visão essa que é reforçada por parte de uma crítica mais aderida ao mercado, que desempenha a profissão sob uma cartilha de análise, tratando todos os filmes com os mesmos argumentos e buscando sempre acima de tudo “sobre o que a obra é”, como se a arte se resumisse a isso).
Mas, voltemos mais uma vez às previsões da diretora, pois ainda mais interessante é como ela joga uma isca e parte dos fãs caíram sem nem perceber. É óbvio que o retorno de Matrix geraria expectativa de uma base de fãs criada sobretudo por causa do original. Sabendo disso, Lana decidiu não entregar uma nostalgia barata, que seria o caminho cômodo e simplório, e provavelmente agradaria esse fandom raivoso.
Porém a diretora, assim como sua irmã, que não retorna para esse longa, como grandes autoras que são, nunca se renderam ao mercado e sempre impuseram suas visões criativas, o que muitas vezes lhe custaram cair na graça dos estúdios e ter dinheiro ilimitado para novos projetos. Mantendo-se alinhada ao que sempre acreditou, Lana prefere então usar a nostalgia como porta de entrada para um mundo já conhecido, mas diferente ao mesmo tempo, no qual o salvador volta a estaca zero e tem de começar uma nova jornada que relembra anterior, só que vai se revelando completamente diferente.
Dentro de uma nova Matrix, a diretora se liberta de qualquer amarra para deixar a ação em segundo plano (engraçado é ver supostos fãs da franquia dizer que “Matrix 4 não presta, porque a franquia sempre foi ação em primeiro lugar”), para abordar a ficção científica por uma veia satírica provocativa, de uma forma poucas vezes vista anteriormente, e inegavelmente ousada para um franquia já pré-estabelecida que sempre adotou um tom mais sério.
Torna-se então um reboot sem ser exatamente um reboot (semelhante ao que “Pânico 5” também brincou menos de um mês depois), renovando o universo muito mais pelo tom e pelas autorreferências provocativas do que por mudar atores e desconstruir todas as regras para recriar novas (ainda que há sim novas regras e modificações nos personagens, mas essas estão ainda condizentes com o que seria possível na trilogia inicial).
Assim, Lana Wachowski se prova mais uma vez uma diretora ousada e sem medo de desagradar, enquanto traz uma renovação necessária para dar vida a essa franquia tão subestimada (sim, “Matrix” é muito mais do que apenas o excelente primeiro filme).
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Matrix Resurrections
Data de lançamento: 23 de dezembro de 2021
Direção: Lana Wachowski
Elenco: Keanu Reeves, Carrie-Anne Moss, Yahya Abdul-Mateen II
Gêneros: Ficção Científica, sátira
Nacionalidade: EUA