“Uncut Gems” conta a história do dono de uma loja de jóias que aposta com a própria vida constantemente visando sempre lucrar ao máximo. Então, ele recebe uma pedra raríssima que desperta o interesse do jogador da NBA Keving Garnett.
Aleatoriedade consciente
Com uma carreira recente construída no cinema independente, os Irmãos Safdie finalmente começaram a ganhar reconhecimento com o ótimo “O Bom Comportamento” (2017), protagonizado por Robert Pattinson. Lá, já é possível ver o traço autoral dos diretores, que resgata um pouco daquele cinema de ansiedade e desconforto que vem sendo pouco utilizado atualmente e que teve seu auge com o excelente “Depois de Horas” (1985), um dos mais subestimados pelo público da carreira de Martin Scorsese, mas que venceu a Palma de Ouro de Cannes.
Como Robert McKee diz, no livro “Story”, o mais importante sobre roteiro de cinema, “Depois de Horas” é um dos filmes que melhor trabalha a aleatoriedade de acontecimentos. Ou seja, é um protagonista sem direito de escolha, ele é um peão no tabuleiro de Deus.
Porém, se essa lógica é trabalhada no primeiro filme dos Safdie, em “Uncut Gems” eles conseguem reformular a ideia central que compõe o universo desse filme. Aqui, o protagonista interpretado por Adam Sandler tem o direito de escolher o seu futuro, mas é ele quem decide jogar com a própria vida.
Dessa forma, o efeito bola de neve presente no longa parte tanto das escolhas do personagem quanto de ações externas. E, por meio disso, a narrativa se desenvolve até o momento em que o protagonista está jogado completamente à sorte.
Desconfortável e frenético
Então, os roteiristas e diretores constroem toda uma narrativa imprevisível e instigante, ao mesmo tempo que compõem todo um universo do submundo inquietante, que reforça o senso de perigo e insanidade a todo instante.
Toda a direção é feita sob lógica de que esse mundo não para nunca e é necessário estar em sintonia com ele para sobreviver. A trilha sonora reforça o desconforto, de forma sempre presente e alucinante, com batidas eletrônicas que incomodam do início ao fim. Os diálogos sobrepostos com uma mixagem de som propositalmente confusa tornam quase que incompreensíveis boa parte das falas, fazendo que da mesma forma que o público perca muita coisa, os personagens deixam de entender o que o outro está dizendo (algo que remete muito ao cinema de Robert Altman na Nova Hollywood, em filmes como “M.A.S.H.” e “Onde Os Homens São Homens”).
Além disso, o ritmo do filme é frenético, com poucos respiros dramáticos, quase sempre tudo está em movimento. O que aumenta mais ainda a ansiedade e o desconforto no espectador, já que vemos o protagonista se enfiando em um buraco cada vez maior, mas não temos tempo nem de refletir sobre como ele pode sair de lá.
E o que faz isso funcionar ainda melhor é a atuação de Sandler (a melhor de sua carreira), que traz carisma para um personagem difícil do público gostar. Ademais, é graças as suas ações absurdas que o longa encontra uma forma eficiente de fazer humor, ainda que esses risos venham muito mais do nervoso do que do alívio.
Portanto, os Irmãos Safdie conseguem envolver o público por meio de fortes emoções, ainda que essas estejam muito mais para a angústia, desconforto e desespero do que para sentimentos mais prazerosos. Por sorte, existe a A24 para investir em um projeto autoral e de nicho como esse. Espero que o longa ache seu público na Netflix brasileira.
Nota: 9.0
Crítica em vídeo:
Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz sobre o longa em meu canal, o 16mm.
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Uncut Gems (Jóias Brutas)
Data de lançamento: 31 de janeiro de 2019 (2h 15min)
Direção: Josh Safdie e Benny Safdie
Elenco: Adam Sandler, Lakeith Stanfield, Julia Fox mais
Gêneros: Thriller, Comédia
Nacionalidade: EUA