“The Old Guard” conta a história de um grupo de pessoas imortais que fazem missões pelo mundo a fim de tentar salvar a humanidade.
Mulher e o cinema de ação
Após protagonizar o fracasso “Aeon Flux” (2005), Charlize Theron acreditava que nunca mais teria uma oportunidade no cinema de ação, visto que mulheres raramente são escolhidas nesse gênero. Não à toa, desde a década 1970, se popularizou o termo “macho movie”, uma espécie de subgênero do cinema de ação e que tinha nomes recorrentes como Sylvester Stallone, Chucky Norris, Charles Bronson, Arnold Schwarzenegger, Van Damme, entre outros. Mas isso pouco mudou ao longo do tempo, o que vimos foi surgir novas gerações de brucutus, quase sempre formadas por atores de qualidade duvidosa, como os mais recentes Vin Diesel e Dwayne Johnson, o The Rock.
Entretanto, Theron foi chamada para interpretar Imperatriz Furiosa, em “Mad Max: Estrada da Fúria” (2015) (discutivelmente o melhor filme de ação já feito e 10 anos após “Aeon Flux”), e entregou uma das personagens mais incríveis que já vimos no gênero. Além da ótima construção dramática, a atriz impressionou nas grandes sequências de ação que o filme apresenta, ainda mais por ser um longa com pouquíssimo uso de CGI.
Dois anos depois, Theron voltou a protagonizar um filme no gênero, “Atômica” (2017), mas, dessa vez, com o cineasta David Leitch, um dos representantes dessa geração de diretores que começaram no cinema como coordenadores de dublês. E não deu outra, o longa foi um sucesso de crítica e público, principalmente graças às espetaculares cenas de ação, com direito a um plano-sequência de quase 20 minutos. A atriz pouco precisou de dublê para executar essas sequências.
Após dois sucessos consecutivos em apenas dois anos, Theron passou imediatamente a ser um dos grandes nomes do cinema de ação e aproveitou esse status não só para continuar protagonizando esses filmes, mas também para promover as mulheres dentro do gênero. Então, finalmente chegamos a “The Old Guard”, que tem a atriz como protagonista e produtora executiva, além de uma diretora (Gina Price-Bythewood) e outra mulher como a segunda personagem mais importante do longa (Kiki Layne). Além disso, Theron falou bastante durante a divulgação do filme sobre a importância das mulheres terem mais espaço no gênero. Até porque, convenhamos que grande parte dos poucos filmes de ação protagonizados por elas foram grandes sucessos. Por exemplo, as franquias “Alien” e “Exterminador do Futuro”, além de “Kill Bill” e dos já citados “Mad Max: Estrada da Fúria” e “Atômica”.
Clichês e mais clichês
Todavia, é justamente por essa importância da diversidade no cinema de ação e da força de Theron no gênero que o filme decepciona bastante. Já que, ao sair do papel, a obra não apresenta nada de diferente, muito pelo contrário, contenta-se com o comum e se estrutura em escolhas para lá de batidas. Algumas ainda funcionam por serem convenções úteis, como a personagem novata do grupo, que serve como alguém que desconhece esse universo e precisa conhecê-lo. Consequentemente, o longa a usa como uma forma de fazer uma exposição mais aceitável, pois enquanto os personagens explicam a ela os conceitos, o público os conhece também.
Por outro lado, há escolhas que não são mais justificáveis, tanto na forma quanto no estilo da obra. E, nesse sentido, a direção de Price-Bythewood se demonstra bem imatura (o que é aceitável, já que se trata do primeiro filme dela no gênero). A paleta alaranjada no Oriente Médio e mais natural na Europa (o que não só deveria ter caído em desuso há muito tempo, como também tem um preconceito implícito), o uso de músicas “animadas” durante sequências de ação (uma estilização que muitas vezes tira o impacto da cena), a trilha sonora hiperdramática para tentar acentuar o drama da cena, quando o texto é incapaz de fazê-lo, entre muitos outros exemplos.
Mas, os maiores clichês vão aparecer principalmente no roteiro de Greg Rucka. Quadrinista renomado e escritor da HQ que originou o filme, ele é mais um exemplo da diferença entre escrever um livro (ou HQ) e um roteiro de filme. Geralmente, escritores só conseguem adaptar suas obras para o cinema quando têm ao lado um roteirista mais experiente para ajudá-lo a moldar a história. Com isso, Rucka cai em uma armadilha bem recorrente, construir sequências ao invés de estruturar o todo. Além disso, demonstra uma grande inabilidade para escrever diálogos, recorrendo quase sempre a falas super clichês, e ao criar antagonistas. Fica claro que o roteirista tem um apreço muito maior pelo seu grupo de protagonistas do que pelos vilões, tornando esses apenas nas figuras do cientista maluco e do empresário malvadão.
Porém, por se tratar de um filme de ação, tudo isso poderia ser superado por boas sequências de ação e conceitos interessantes. Entretanto, tudo isso aparece de forma muito dispersa no longa, os grandes momentos de ação, como as cenas da igreja e do avião, em que a diretora consegue compor planos mais longos e desenvolver uma geografia de cena mais clara, ficam muito espaçadas na estrutura da obra. Até o conceito interessante dos imortais vai perdendo força com o passar do filme, em meio a uma série de flashabacks e informações que estão mais preocupados em uma sequência (que já foi confirmada pela Netflix) do que em agregar à narrativa desse longa.
Dessa forma, o filme perde a chance de ser uma obra única de ação, não consegue se sustentar dramaticamente, abusa dos clichês formais e estilísticos, e é incapaz de se aprofundar em temas interessantes que são sugeridos, como a morte eterna ou a inexistência de uma figura religiosa suprema. Por sorte, a dinâmica do grupo funciona e há alguns poucos bons momentos de ação espalhados pelos mais de 120 minutos de rodagem.
Nota: 5.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The Old Guard
Data de lançamento: 12 de junho de 2020 (2h 05min)
Direção: Gina Price-Bythewood
Elenco: Charlize Theron, Kiki Layne, Matthias Schoenaerts mais
Gêneros: Ação, Drama
Nacionalidade: EUA