“Enola Holmes” adapta o primeiro da série de livros de mesmo nome e conta a história de Enola, irmã mais nova de Mycroft e Sherlock Holmes, que mora sozinha com sua mãe em uma casa de campo no interior da Inglaterra. Lá, ela recebe treinamentos semelhantes aos de Sherlock e sonha em ser uma detetive. Certo dia, sua mãe desaparece e Enola decide sair a sua procura. No caminho a Londres, ela conhece um jovem marquês, que fugiu de sua família e é perseguido por um assassino.
O longa está disponível na Netflix.
Uma divertida aventura
Como era de se esperar de um filme no universo de Sherlock Holmes, “Enola Holmes” adota sem restrições a clássica trama de mistério a ser resolvido. Além de procurar sua mãe por meio de enigmas deixados por esta, Enola acaba envolvida em um segundo caso de um jovem marquês. Ao mesmo tempo que tenta resolver os dois mistérios, ela tem de superar seus opositores: seu irmão mais velho Mycroft, a diretora de um colégio interno e um assassino impiedoso. Já Sherlock surge como o irmão admirado por Enola que a desafia e é desafiado por ela.
Ambientado na Inglaterra do final do século XVIII, o longa abraça os cenários e figurinos clássicos, assim como o desenvolvimento da trama de mistério, enquanto cria uma roupagem nova para sua protagonista e os temas que parecem ser secundários. Enola tem apenas 16 anos de idade e a obra é dominada por uma aura infanto-juvenil que comunica muito com o público de sua excelente atriz principal Millie Bobby Brown.
É uma personagem que por um lado anseia ser detetive e por outro busca por liberdade individual, fazendo assim com que o filme entrelace suas vontades em uma coisa só. Para Enola, sua liberdade representa uma aceitação de sua maturidade e a permissão dela ser o que quer, no caso, seguir os passos de seu irmão do meio. Isso é representado fortemente em suas sucessivas tentativas de escapar das garras do colégio interno que ensina etiqueta. Não à toa, o longa não poupa esforços para idealizar Sherlock e vilanizar Mycroft, já que isso reflete a proximidade das vontades de Enola com as dos irmãos.
E, nessa busca intempestiva por independência, o filme encontra o seu ritmo e o seu tom. Leve e descompromissado por um lado, a narrativa avança sem floreios, enquanto Enola vai juntando provas e tentando analisá-las. O longa nos convida para sua busca por meio da quebra da quarta parede, que exagera um pouco na exposição, mas nos ajuda também a não se afastar do fio que liga essa investigação e querer responder junto com a protagonista algumas das questões levantadas, gerando assim, bons momentos de humor, muito graças ao bom timing cômico de Millie. Destaque também para os divertidos jogos de palavra, que funcionam bem como pista e também criam um elo de ligação entre Enola e sua mãe.
Liberdade
Por outro lado, o longa não tem medo de falar de temas mais sérios, como liberdade individual, igualdade entre gêneros e direito ao voto e à participação política. Nesse sentido, Harry Bradbeer (“Fleabag”) e o roteirista Jack Thorne (“His Dark Materials”), que aqui demonstra mais uma vez talento ao trabalhar a aventura de uma protagonista jovem, utilizam bem a ambientação e os movimentos feministas da época para traçar um paralelo temático entre a obra e os tempos atuais.
Nesses momentos, o filme se permite diminuir o seu ritmo e apostar em cenas mais íntimas, como a de Enola e Sherlock. A trilha sonora que grita por aventura durante boa parte do longa, adota um tom mais dramático e intimista nesses momentos. Longe de quebrar o ritmo da obra, essas cenas servem de respiro para o jogo de detetive e a buscar por novas pistas que voltará logo em seguida.
Sem romper com a proposta, o filme acerta ao nunca transformar a relação entre Enola e o Marquês em um romance juvenil clichê. Pelo contrário, a obra dá espaço para espelhar a busca da protagonista na de seu amigo. Ainda que, infelizmente, uma mudança brusca no terceiro ato faça com que as motivações desse personagem perca um pouco de sentido.
E é nessa dinâmica que “Enola Holmes” se encontra, desvencilhando-se dos personagens clássicos em prol de uma aventura mais adolescente. Enola clama por protagonismo e são suas ações que comandam a estrutura do longa. Por isso mesmo, os momentos mais fracos da obra são aqueles que desejam servir como uma piscadinha para os fãs desse universo. Se a narrativa ganha originalidade quando centrada na protagonista e nos personagens novos, ela perde força sempre que tenta dar espaço aos personagens clássicos.
É bem verdade que Sherlock tem um papel importante no desenvolvimento da irmã e levanta um questionamento importante no porquê ele não se envolve politicamente, ainda que a atuação travada de Henry Cavill não seja das melhores. Já Mycroft serve como uma força de oposição caricata porém eficiente, mesmo que a obra perca a oportunidade de dar camadas ao personagem, o que seria feito facilmente se explorasse melhor suas diferenças para com seus irmãos e sua mãe. Mas nada disso vale para o inspetor Lestrade, que não tem função alguma na trama além de ser um aperitivo para fãs.
Assim, em meio a um desenvolvimento fiel da proposta, “Enola Holmes” é uma divertida aventura familiar que não tem medo de tocar em temas mais sensíveis e só se perde quando se apega demais ao clássico.
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Enola Holmes
Data de lançamento: 23 de setembro de 2020
Direção: Harry Bradbeer
Elenco: Millie Bobby Brown, Henry Cavill, Sam Claflin mais
Gêneros: Aventura, Mistério
Nacionalidade: EUA