“A Lenda de Candyman” acompanha Anthony, um pintor que começa a ter sua vida aterrorizada após dizer “Candyman” cinco vezes. Mortes começam a ocorrer e ele tem de confrontar o seu passado e o bairro em que nasceu.
O filme está disponível nos cinemas.
Arte e violência como resistência
Ao ser questionado sobre a literalidade de sua obra, o protagonista, vivido pelo intenso Yahya Abdull Mateen II, responde com outra pergunta: “Mas o que você sentiu ao vê-la?” (não exatamente com essas palavras). Em parte, “A Lenda de Candyman” pode ser resumido dessa forma, um filme que não faz rodeios para abordar o tema central, o racismo e o medo diário da comunidade negra de todas as classes sociais é trazido de forma literal e em diálogos. Até alguns simbolismos que aparecem na história representada em desenhos se enfraquece como figura de linguagem por nem sequer tentar esconder a mensagem que está sendo passada. A preocupação maior está em como o público vai sentir essa mensagem.
Só que Nia DaCosta e Jordan Peele (produtor e um dos roteiristas aqui) demonstram habilidade o suficiente para se aprofundar ainda mais no tema e criar uma nova mitologia para o universo, ainda que seja uma sequência do filme de 1992, com citações e até aparições dos mesmos atores daquela obra. Candyman deixa aqui de ser apenas um assassino sobrenatural e bem articulado, o que o diferencia dos demais personagens do slasher, e passa a ser um símbolo de resistência e defesa passado de geração em geração.
Dessa forma, Nia rejeita o terror mais direto em prol de sua mitologia. As mortes e cenas mais violentas ficam quase sempre restritas a personagens secundários ou até desconhecidos, mostrando a preocupação da diretora mais em como aqueles eventos se desdobram ao redor do protagonista do que em como Anthony corre risco de ser assassinado ou coisa parecida, o que geralmente é o foco dos filmes do gênero. Pelo contrário, Anthony se transforma em uma espécie de propagador daquela mensagem, deixa de ser uma pessoa para se transformar em uma fonte.
Só que se o filme fala para gente de forma literal sobre seu interesse maior nos sentimentos do que em uma complexidade simbólica, em parte, Nia articula boa parte de seus elementos por artifícios simbólicos. Os principais deles são o espelho, a violência e a arte. O primeiro funciona nas duas camadas, primeiro como um artifício visual interessante e que exige da diretora um ótimo jogo de câmera, já que o Candyman (vivido mais uma vez por Tony Scott) só aparece aqui em reflexos, o que constrói cenas aterrorizantes bastantes efetivas, sobretudo explorando o que é visto e o que é apenas sugerido.
Mas, por outro lado, os espelhos são também esse ponto conector entre passado e futuro. Por mais que o filme faça uma sugestão inicial da melhora de vida dos negros, ao sair de um prólogo no passado em um bairro pobre e cheio de tensão para depois adentrar, no presente, em um tranquilo apartamento de classe média alta, o desenrolar da narrativa mostra justamente essa falsa impressão de segurança, como se a melhor financeira pouco tivesse alterado a forma como a sociedade enxerga os negros. E, então, o espelho (ou os reflexos de forma mais geral) mostram essa conexão entre os dois tempos, representado de forma quase literal no momento em que o protagonista se olha no espelho e vê o Candyman fazendo os mesmos movimentos que ele, ou quando a esposa (Teyonah Parris) tem um pesadelo e mais uma vez a figura do marido e do homem do gancho são sobrepostas.
Só que, para mim, o filme funciona ainda melhor quando passa a se relacionar com a arte (aqui seria possível gerar uma grande discussão sobre o tema, mas vou me ater ao que interessa em minha argumentação). Arte e violência se misturam em toda a obra e atingem um valor semelhante: o poder que ambas têm como resistência. Nia cria então uma metalinguagem dentro do próprio longa, ao retratar o seu protagonista criando uma outra obra de arte que usa a violência como mensagem de resistência.
“Candyman” se mostra então como mais uma boa obra desse terror social que começa a ganhar força nos últimos anos por não só declarar sua mensagem político-social e entender que o simbolismo sozinho também não é suficiente. No meio de tudo isso aparece o valor sensorial que nunca pode ser deixado de lado em um filme, e Nia DaCosta se mostra muito capaz ao conduzir cenas tensas e estilizadas sem nunca soar artificial ou fetichista.
Nota:
Assista a minha crítica em vídeo:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Candyman
Data de lançamento: 26 de agosto de 2021
Direção: Nia DaCosta
Elenco: Yahya Abdull Mateen II, Tony Todd, Colman Domingo, Teyonah Parris
Gêneros: Terror, Fantasia
Nacionalidade: EUA