“Benedetta” conta a história real da freira Benedetta, lésbica e com uma história repleta de milagres, polêmicas e acontecimentos inexplicáveis.
O filme foi exibido no Festival Mix Brasil, em São Paulo.
Mensagens por meio do corpo
Em “Benedetta”, Paul Verhoeven faz do corpo um veículo para profanar e falar sobre identidade.
Não é de hoje que Verhoeven demonstra interesse pela identidade humana e tem a descoberta do corpo como elemento central. Apesar de mais claro em “Showgirls”, tal tema está presente em “Robocop”, ao usar o homem-máquina como debate sobre o que é ser humano e como o estado usa as pessoas como máquinas de guerra, em “A Espiã”, colocando a protagonista em um grande conflito ao mentir a própria identidade para sobreviver em um regime que despreza, além de “Elle”, “Vingador do Futuro”, entre outros.
Já em “Benedetta”, o corpo humano se transforma no veículo de mensagens do diretor. É por meio deste que a protagonista descobre sua sexualidade, sua “missão” de vida, são as marcas em seu corpo que a fazem ganhar notoriedade dentro do convento. E é na carne também que as punições aparecem, como a peste, que nada mais é do que Verhoeven falando sobre o castigo de Deus de forma irônica.
O uso da fisicalidade ainda é notório para diferenciar Benedetta das demais freiras, já que Virginie Efira é muito mais alta, mais definida e com seios maiores do que suas semelhantes, corpo este que talvez não respeite uma fidelidade histórica, dada a alimentação da época e os exercícios por ela realizados. Mais uma vez, Verhoeven está muito mais interessado em criar a mensagem com os elementos que aparecem em tela do que em se preocupar com o que realmente aconteceu.
Só que, se por um lado o longa se assemelha muito mais de filmes como “Elle” e “A Espiã” pelo tema abordado, por outro, ele vai trazer uma certa disputa erótica de sedução de “Showgirls” com uma protagonista que mais parece Catherine Trammel, de “Instinto Selvagem”. Não só porque Benedetta faz de seu corpo uma arma e leva vantagem a partir disso, mas principalmente pela forma ambígua como a personagem é apresentada.
Se em “Instinto Selvagem” tudo leva a crer que Catherine é uma assassina e está armando para cima de Nick Curran, mas o filme sempre sugere que ela pode ser inocente, em “Benedetta”, nunca sabemos realmente se ela presencia milagres, se é uma farsante ou se acredita na própria farsa.
E, justamente na falta de respostas, a personagem se torna mais complexa. Claro que grande parte do mérito da personagem está na atuação ambígua de Virginie. Se por um lado ela realmente parece acreditar na figura divina que ela representa, seja pela devoção religiosa demonstrada em suas visões ou na firmeza em que faz escolhas difíceis (como na cena final), por outro, o cinismo estampado em seus sorrisos discretos nos fazem questionar uma possível inocência. Claro que sinais são deixados por todo o longa, até mesmo a descoberta da sexualidade pode ser visto como algo premeditado, já que ainda criança a personagem dá indícios de autoconhecimento no evento da estátua da santa cai sobre ela.
Assim, Verhoeven está menos interessado em criar uma verdade, mas sim em insinuar suas mensagens propositalmente contraditórias ao público. E isso vale não apenas para Benedetta, mas também para o seu olhar a respeito dos milagres. Se em muitos momentos ele satiriza os milagres e sugere a farsa por trás destes, em outros, como no texto final sobre a peste em Pescia, nas “visões” da protagonista, na forma como sobrevive ao evento da santa ou no “renascimento da personagem”, o diretor não busca qualquer explicação para esses eventos extraordinários.
Só que, longe de essas pontas soltas serem um problema, elas ajudam a formar o longa que mais parece um estudo do diretor sobre sua própria mente. Isso está presente na sátira mais evidente aos dogmas religiosos e à Igreja Católica como um todo, passa pelo seu fascínio por personagens femininas, seus corpos e descobertas de identidades, até a forma meio caótica como o filme é construído. Saltos temporais são feitos do nada, em poucos segundos vamos de uma discussão pesada sobre estupro à uma piada sobre cocô, a escuridão natural do convento dá lugar a sonhos super estilizados em forma de piada macabra sangrenta, e por aí vai.
“Benedetta” mostra então um Verhoeven desapegado da forma narrativa convencional, só que conversando intensamente com o seu próprio cinema, em um filme que vai chocar pelo profano ou incomodar pelos corpos femininos nus, mas que tem sua grande força em como o diretor dá forma às suas mensagens muitas vezes ambíguas.
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Benedetta
Data de lançamento: Sem data oficial (exibido em São Paulo no dia 18 de novembro)
Direção: Paul Verheoven
Elenco: Virginie Efira, Daphne Patakia, Charlotte Rampling
Gêneros: Drama, Sátira
Nacionalidade: França