“Cherry – Inocência Perdida” adapta um livro baseado em fatos reais escrito na cadeia pelo ex-médico do exército Nico Walker, em que relata seu estresse pós-traumático, dependência química e assaltos a banco vividos após a Guerra do Iraque.
Um filme ou um clipe musical?
“Cherry” é acima de tudo um filme sem foco, tanto em seu desenvolvimento da história quanto na direção dos Irmãos Russo. Ao tentar retratar toda a trajetória do personagem-título, o longa esbarra em um conflito de gêneros e estilos que não conversam exatamente entre si, ao mesmo tempo em que nunca tem muito claro sobre o que é realmente.
A questão mais importante da história certamente é o estresse pós-traumático que leva Cherry ao vício e posteriormente ao roubo para manter a dependência química, isso por causa do ineficiente ou até inexistente auxílio prestado aos veteranos de guerra nos Estados Unidos. Uma relação direta à noção de patriotismo panfletário, que leva jovens a lutar pelo país, mas os deixam à própria sorte caso consigam sobreviver à guerra.
Entretanto, tudo isso é deixado apenas para a segunda metade do filme. Por mais de uma hora somos obrigados a testemunhar um romance sem química de dois personagens difíceis de se gostar, vínculo com o público que seria fundamental para o impacto desejado na última hora de rodagem. Com isso, vemos um romance adolescente se estender até se transformar em uma sátira de treinamento militar (como já assistimos um milhão de vezes melhor retratada no cinema), para chegar a um curto filme de guerra e só então atingir o trauma pós-guerra.
O problema é que esses pequenos filmes não conversam entre si para gerar uma unidade, além de haver um desequilíbrio muito grande entre eles, dando muito mais tempo ao menos importante (sobretudo a sátira militar) do que ao mais relevante (guerra e vício pós-guerra). Com isso, o ritmo também se torna totalmente irregular, como uma constante antecipação do tema central que tarda tanto a chegar que quando realmente se apresenta, o espectador já não tem o mesmo interesse.
Porém, toda a falta de foco do roteiro poderia ainda funcionar se o projeto fosse dado a um diretor mais consciente da história que tinha em mãos. A direção dos Irmãos Russo deixa claro que o interesse era muito mais em experimentar sem nenhuma coerência de estilo do que necessariamente retratar de forma crua aquele problema crônico da sociedade americana.
Dessa forma, os diretores constantemente tiram o foco da narrativa e o chamam para si, com uma série de intervenções desnecessárias que soam mais como exibicionismo e experimentalismo do que como estilo. Isso fica claro com a série de sequências em câmera lenta com uma música de fundo para forçar uma dramatização, uma série de mini vídeo clipes que nos lembram o tempo todo que estamos vendo apenas um filme, atrapalhando a imersão e a aproximação com o protagonista.
Além disso, são várias outras intervenções que aparecem e vão embora sem qualquer lógica, servindo apenas como uma piada forçada ou digressão desnecessária, como o uso da repetição de palavras em vermelho para fazer piada, uma narração em off que duplica aquilo que vemos em tela e uma mudança repentina de razão de aspecto. Tudo isso aparece sem função e fica claro que são apenas os diretores querendo mostrar como fazem uma cinebiografia “diferentinha”, ao mesmo tempo em que a estrutura é exatamente a mesma de todos os filmes do gênero.
É uma pena, já que a forte atuação central do promissor Tom Holland (totalmente fora da sua zona de conforto) e os poucos momentos em que a direção para de chamar atenção para si e deixa a história fluir mostram que há um potencial grande desperdiçado ali. Isso fica ainda mais claro na ótima cena de guerra, que é fundamental para o desenvolvimento do personagem e mostra um dos poucos momentos inspirados dos Irmãos Russo, e também na sequência em que Cherry se entrega à polícia (sequência essa que só não funciona melhor porque tal recurso visual e sonoro já havia sido utilizado a exaustão por todo o longa).
Nota: 5.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Cherry
Data de lançamento: 26 de fevereiro de 2021
Direção: Joe e Anthony Russo
Elenco: Tom Holland, Ciara Bravo
Gêneros: Drama
Nacionalidade: EUA