“Em Um Bairro de Nova York” conta a história de Usnavi, dono de um mercadinho em Washington Heights, Nova York, que tem como sonho voltar para a República Dominicana e criar seu próprio negócio em sua terra natal.

O filme está disponível no catálogo do HBO Max e nos cinemas.

Celebração da Identidade Cultural

Por algumas décadas o musical foi um dos gêneros dominantes da Hollywood Clássica. Alto investimento, estrelas consagradas como Fred Astaire, Ginger Rodgers e Gene Kelly, e um tom sempre otimista e de celebração. Aos poucos, questões sociais e a saturação do gênero fizeram com que os musicais fossem cada vez menos produzidos. Atualmente, esse é visto pelos estúdios como um investimento de risco, um gênero pouco popular. Porém, na busca por conteúdo para os seus streamings, alguns estúdios parecem ter voltado levemente suas atenções para os filmes dançantes novamente. O alto investimento e excelente retorno da Disney em “Hamilton” pode ter sido uma porta de entrada para a volta do gênero. “Em Um Bairro de Nova York”, da Warner, talvez seja o segundo passo (e um remake de “Amor, Sublime Amor” estreará ainda esse ano). Agora, só o tempo dirá se os musicais estão voltando ou se é apenas uma coincidência.

E, de certa forma, “Em Um Bairro em NY” é um bom exemplo da renovação de um gênero que tenta voltar aos holofotes. Ainda que conserve vários elementos clássicos e quase inerentes aos musicais, como os grandes números, com muitas pessoas, grande quantidade de figurantes e muita cor, o novo longa de John M. Chu, baseado na peça de Lin-Manuel Miranda (o grande nome dos musicais atualmente e que faz uma pontinha no longa), ganha contornos sociais e de identidade para construir uma grande celebração à herança cultural latina, e que espelha a defesa de qualquer cultura.

Porém, se os grandes e vibrantes números musicais estão presentes, é na simplicidade e na banalidade que o longa se destaca. Desde o início, ao colocar o protagonista adulto para contar a história às crianças, “Em Um Bairro…” deixa claro sua intenção de ser um conto de fadas moderno, trocando as princesas e fantasias por um bairro latino em Nova York, sem nunca abandonar completamente a magia do “era uma vez”.

Somos imediatamente apresentados a Usnavi (cujo nome reflete perfeitamente a busca de seu pai pelo “sonho americano”, um dominicano que foi aos EUA acreditando que lá encontraria uma vida dos sonhos), um jovem com vida simples (dono de um mercadinho), mas com papel fundamental para a construção do senso de comunidade do bairro que é a grande força do filme. O sonho de retornar ao seu país de origem, ao qual ele enxerga com saudosismo e esperança, se apoia nos movimentos migratórios de retorno, muito comum àqueles que vão a terras distantes em busca de uma vida quase sempre ilusória, mas se vem obrigados a voltar a sua região de origem.

Critica Em Um Bairro de Nova York HBO Max 2

E é justamente ao centralizar o bairro quase como um protagonista que o longa se solidifica formalmente. Mais do que um grande interesse pela história, “Em Um Bairro…” está interessado em construir esse microcosmo comum por meio de pequenas peças (personagens) que formam a engrenagem do todo. Somos chamados a conhecer os sonhos de cada um, ao mesmo tempo em que entendemos a função deles para o bairro. O dono de um mercadinho, as cabeleireiras, a avó mentora de toda a comunidade, o jovem com sonhos de vida, a garota que teve seus sonhos frustrados ao tentar se integrar à cultura estadunidense, a outra garota que sonha em fazer seus próprios vestidos e, claro, o pequeno papel de Miranda que vem para reforçar mais ainda esse senso de pertencimento, ao mostrar alguém que preserva uma identidade que começa a ser rejeitada ou esquecida.

Entretanto, não é só na caracterização dos personagens que o longa reflete o pertencimento ao bairro e herança cultural (sendo essa mostrada como um mix de diferentes culturas que se encontram e se unem em uma terra distante), mas principalmente na composição da mise en scène de seus números musicais. A música surge como a união dos povos e também como a resolução simples para grandes questões. A vida dos personagens, a situação do casal, a vida de uma personagem, um apagão que muda a vida do bairro, entre outras situações, tudo parece ser possível resolver com uma música ou uma dança. E o fato de muitos números terem sido feito nas ruas, com pessoas reais presentes, algumas simplesmente reagindo àquilo que estão vendo, aumenta ainda mais esse poder urbano contagiante que o filme tem.

Como já vimos em Hamilton (que também foi escrito por Miranda), “Em Um Bairro…” contagia o público ao inserir nos números musicais o seu ritmo, variando estilos, gêneros e composições visuais. Assim, passamos de canções mais dramáticas e intimistas, com pequena quantidade de pessoas, para entender o sonho e as motivações de cada um, para números agitados e divertidos, com grandes coreografias, músicas animadas (a presença do rap e reggaeton é muito forte), que retratam a força do grupo, com uma fluência incrível, fazendo mais de duas horas passarem rapidamente.

O design de produção e os figurinos também aparecem para reforçar a identidade dos povos, unidos pela dança e pela latinidade. A fotografia cheia de flares e planos ensolarados só ganha vida com as cores da cenografia. Vale destaque também para inteligência de Chu ao utilizar os pequenos elementos da mise en scène para compor um universo maior. Nada aqui é esquecido, desde uma frase que vira mural, até os pequenos objetos (pano, caneta tira mancha, bilhete da loteria).

Talvez meu único problema maior com o filme está na escolha de Chu e da montagem de cortar muito em alguns números musicais, o que ajuda a dar ritmo ao filme, mas tira um pouco a fluência visual das danças e coreografias, que, como já disse anteriormente, não funcionam apenas por sua beleza visual dos corpos em movimento, mas como uma marca da identidade desse bairro. 

Então, “Em Um Bairro de Nova York” surge como uma excelente renovação para um gênero clássico ao apresentar em sua história a defesa da identidade cultural e a luta por aceitação e reforçar isso com os elementos da mise en scène que compõem os números musicais desse dançante e divertido musical.

Nota: 8.5

Assista a minha crítica em vídeo:

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: In The Heights
Data de lançamento: 17 de Junho de 2021
Direção: John Chu
Elenco: Anthony Ramos, Lin-Manuel Miranda, Melissa Barrera, Olga Merediz
Gêneros: Musical, Romance
Nacionalidade: EUA