“Fim de Festa” traz quatro jovens que estão hospedados na casa de um deles em Recife. O carnaval passou e a quarta-feira de cinzas traz uma surpresa: uma jovem francesa é brutalmente assassinada a pauladas, e antecipa a volta do pai de um deles que é policial.
A Alegoria do Carnaval em “Fim de Festa”
Como é comum no cinema pernambucano, Hilton Lacerda (“Tatuagem”, 2013) explora algo genuinamente brasileiro como ponto de partida do longa. Ele usa o pós-carnaval como uma forma de articular um estado de ressaca, que vai transparecer tanto nos personagens quanto no design de produção. Ao trazer momentos chaves do carnaval, ele consegue tornar esse contraste ainda mais visível.
É como se o Brasil não soubesse viver depois do carnaval, festa capaz de unir todos (ou quase todos) em prol de uma euforia e liberdade. Vemos isso quando o longa constrói a relação entre personagens completamente distintos e de diferentes classes sociais, mas que se unem por meio de uma libertação, tanto física (representada principalmente pela nudez) quanto psicológica.
Então, somos apresentados a Breno, policial vivido pelo sempre excelente Irandhir Santos. Apesar de não ter vivido o carnaval daquele ano, o personagem passa pela mesma ressaca. Só que o seu sentimento não é o de pós-euforia e, sim, um remorso que o atormenta por anos.
É nele que vemos as primeiras contradições da sociedade, que vão se espalhar pelo longa. Um policial que fuma maconha e não se identifica com a profissão que exerce, mas segue preso a ela quase que por um fluxo interminável. A partir daí, somos convidados a conhecer um pouco mais daqueles que o cercam, quase todos carregados de hipocrisia.
Não à toa, frases como “O Brasil não tem jeito mesmo” são repetidas a todo instante. A falta de identidade e a tentativa de se ausentar de culpa reflete uma classe média que não suporta os pobres, mas que jamais será aceita pelos ricos.
Realidade
Por isso, em um longa repleto de realidade, nas temáticas, escolhas visuais, atuações e no texto, a personagem mais exagerada é aquela que saiu da pobreza, mas faz questão de rejeitar suas origens. A atuação quase caricatural é reflexo de um ódio profundo do seu próprio ser que a obriga a se esconder atrás de um personagem teatral. Trata-se da sogra da jovem assassinada.
Mas, ainda que esse seguimento envolvendo a família da vítima funcione como uma forma de reforçar a sociedade brasileira, ela acaba destoando um pouco em forma e estilo do restante da obra. A realidade se perde e somos transportados para um tom quase novelesco. Ainda que seja tematicamente rica, acaba incomodando a fluidez da narrativa.
Investigação
Porém, por sorte, a investigação envolvendo a polícia e a família da vítima é só um pano de fundo. Aos poucos, “Fim de Festa” revela quem está realmente disposto a investigar. Somos desafiados a entender Breno, o seu passado, seus pensamentos e como tudo isso resultou em seu afastamento para com as pessoas mais próximas. O único que segue ao seu lado é o seu filho, ainda que ciente dos erros do pai, ele não consegue romper com o carinho que sente.
Não à toa, o filme resolve o caso do assassinato muito antes do final do filme. Enquanto isso, seguimos tentando montar o quebra-cabeça de Breno a cada nova informação revelada. Todavia, o longa acerta ao optar por não revelar tudo, grande parte das peças cabem a nós deduzir e refletir a respeito.
Dessa forma, o que mais impacta em “Fim de Festa” é como toda aquela ficção está tão presente em nossas vidas. Como vivemos em um eterno carnaval seguido de ressaca ou, como Breno, não saímos nunca dessa ressaca, ainda que muitos façam questão de não reconhecer isso.
Nota: 8.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Fim de Festa
Data de lançamento: 05 de março de 2020 (1h 37min)
Direção: Hilton Lacerda
Elenco: Irandhir Santos, Gustavo Patriota, Amanda Beça mais
Gêneros: Drama, Crime
Nacionalidade: Brasil
