“A Missa da Meia-Noite” segue personagens de uma pequena aldeia em uma ilha isolada do continente. Aos poucos, milagres começam a acontecer e os moradores acreditam que o responsável é o novo padre.

A série está disponível na Netflix.

As muitas facetas da fé

“Missa da Meia-Noite” se estrutura por passagens da bíblia para estudar a fé e discutir o espaço da fantasia na arte.

É incrível como mesmo depois de uma série de ótimas obras, tanto para o cinema quanto para a televisão (“A Maldição da Residência Hill”, “A Maldição da Mansão Bly”, “Doutor Sono”, “Hush – A Morte Ouve”, entre outras), Mike Flanagan segue sendo constantemente ignorado por cinéfilos e críticos na hora de mencionar quais são os melhores diretores de terror dessa “nova geração”. Talvez, isso ocorra por causa da abordagem do cineasta, sempre abraçando a fantasia em suas obras e evitando um certo terror de realismo social de outros grandes nomes, como Jordan Peele, Ari Aster e Robert Eggers. É comum a fantasia ser tratada como algo menor, percepção equivocada que deveria ter sido mudada há muito tempo.

Tudo isso fica muito claro nessa nova minissérie de Flanagan para a Netflix (a terceira, todas bem sucedidas). “Missa da Meia-Noite” surge não como uma simples doutrinação antirreligiosa, longe disso, a obra está muito mais interessado em entender como a fé se desenvolve em cada um de nós e como lidamos com nossas convicções. Acreditar em Deus ou ser católico não é nem uma qualidade nem um defeito na série, tudo depende de como cada um age a partir de suas crenças.

Critica A Missa da Meia Noite Netflix 2

Com isso, assim como é comum em suas obras (principalmente “Doutor Sono” e “A Maldição da Mansão Bly”), Flanagan subverte as expectativas do convencional e adota a fantasia como objeto modelador de suas personagens. Por isso, a série se inicia como algo plenamente real, acompanhando uma comunidade isolada em que todos se conhecem e convivem relativamente bem. Então, aos poucos, o real vai abrindo espaço para o sobrenatural, a fantasia propriamente dita, e é a partir do momento em que o diferente surge em tela que os personagens finalmente se revelam por completo.

Isso fica claro na forma como cada um lida com o “poder” obtido. Alguns o rejeitam por verem nele algo antinatural e destrutivo (como na cena final do episódio cinco), outros o percebem como uma benção (como o padre), boa parte o aceita por não saber lidar com aquilo que entende como “irreal”, enquanto, por fim, há a figura interpretada por Samantha Sloyan, que acredita cegamente em sua fé e manipula os elementos para transformar o mundo naquilo que acredita ser o correto, ainda que isso só a afaste da realidade.

É assim que Flanagan consegue ir ressignificando os eventos da bíblia e o terror ao mesmo tempo, ao dar uma leitura peculiar a elementos que sejam comuns aos dois mundos. Um vampiro passa a ser um anjo pela visão daqueles que assim o querem enxergar, enquanto zumbis e seitas são entendidas por alguns como uma segunda chance divina.

Mas são justamente nas personagens que mantém a clareza da situação, sejam elas católicas (Erin, a mãe da doutora) ou não (Riley, o xerife), que Flanagan encontra o equilíbrio no discurso e torna multifacetada a percepção sobre a fé. Para isso, ele adota um tom quase teatral, destacando seus atores em meio a longos monólogos e uma decupagem de planos longos e muitas vezes fixos. Cada um assim, tem o seu espaço para pregar ou propor sua percepção sobre as coisas. E, mais uma vez, Flanagan rejeita elementos mais comuns do terror em prol de um horror promovido pelas próprias personagens. É a aprova de que um longo diálogo pode ser mais aterrorizante do que sustinhos previsíveis.

Então, “Missa da Meia-Noite” se mostra como o maior acerto da carreira de um dos diretores mais talentosos da atualidade, não só do terror, mas de todos os gêneros. Já passou da hora de lembrarmos do nome “Mike Flanagan” e pararmos de tratar o terror e a fantasia como inferiores. Sem dúvida, essa minissérie é uma das melhores produções originais da Netflix, senão a melhor.

Nota: 148839148839148839148839148839

Assista a minha crítica em vídeo:

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: Midnight Mass
Data de lançamento: 24 de setembro de 2021
Direção: Mike Flanagan
Elenco: Zach Gilford, Kate Siegel, Hamish Linklater
Gêneros: Terror, Drama
Nacionalidade: EUA