“Nomadland” acompanha Fern, uma mulher que, devido a falta de opções, decide viver o nomadismo em solo estadunidense, dependendo assim de trabalhos sazonais.
O filme chegará aos cinemas brasileiros em abril.
Uma ficção documental
O que define uma obra como documental ou ficcional? Normalmente, essa divisão é feita de maneira intuitiva pelo espectador, vendo a ficção como uma obra criada e encenada por atores, enquanto o documentário é a visão crua sobre pessoas reais. Mas e os documentários que contam com cenas encenadas? E a ficção que traz pessoas reais para viver elas mesmas? Isso sem contar a ideia equivocada que grande parte das pessoas tem sobre o documentário como uma realidade total, ignorando assim o forte poder, muitas vezes até manipulativo, que pode ser exercido pela câmera, música, montagem, direcionamento da narrativa, entre todos os outros fatores cinematográfico.
E é um pouco sobre essa lógica híbrida que chega “Nomadland”. Apesar de colocar como figura central uma personagem ficcional protagonizada por uma atriz renomada, o filme de Chloe Zhao se move como a vida real, sem a preocupação de criar grandes reviravoltas nem de se prender a uma estrutura usual de roteiro. O longa segue um retrato quase documental da vida de uma mulher que teve de tornar o nomadismo o seu estilo de vida após a morte de seu marido e a crise econômica.
Ao mesmo tempo, outras oportunidades surgem para que Fern possa trocar a sua van por uma “casa” (uso entre aspas, pois o automóvel acaba sendo a casa da protagonista), entretanto todas as opções restringem a liberdade da personagem e a colocam em uma posição de dependência. Então, ela “prefere” seguir o nomadismo e os subempregos temporários (o longa, como o livro que adapta, não poupa o nome da Amazon como uma “exploradora”), assim como uma vida que alterna uma união de comunidade e solitude, que surge como palavra-chave aqui. Fern não se sente solitária, ele encontra uma beleza em sua independência, apesar dessa não ser a vida de seus sonhos.
Só que além do cruel papel que o capitalismo e a crise econômica imprime de forma sutil em todo o longa, Zhao consegue encontrar a beleza na simplicidade dos Estados Unidos, encontrando vários momentos de respiro para contemplar e apreciar as belas paisagens naturais de lugares até meio banais. Ao mesmo tempo, a trilha sonora se encontra à fotografia, montagem e narrativa, que bebe muito da fonte do chamado cinema de fluxo, para criar todo um ambiente aconchegante, apesar do luxo inexistente.
Porém, é na maneira como Zhao explora sua protagonista que o longa ganha ainda mais contornos documentais. Ao usar pessoas reais para viver elas mesmas e apresentar o nomadismo para o público, a diretora podia acabar criando uma diferença brusca entre os coadjuvantes reais e a talentosa e conhecida Frances Mcdormand. Entretanto, o controle e escolhas de enquadramento de Zhao e a habilidade em se desprender do espetacular e se revestir de uma pessoa comum da atriz fazem com que tudo aquilo pareça ainda mais à vida real em movimento. Em alguns momentos, Fern aparece quase como a porta-voz de Zhao, ao dialogar com aquelas pessoas para entender mais sobre a vida delas. Vale ressaltar também o bom trabalho de David Strathairn, como a única pessoa capaz de balançar a vida da protagonista, sem nunca parecer uma intromissão forçada ou ficcional para a narrativa.
Dessa forma, “Nomadland” desponta como um inusitado grande favorito para a temporada de premiações, assim como Zhao para roteiro e direção e Mcdormand como melhor atriz, ao adotar o semidocumental e retratar uma realidade estadunidense, sem precisar recorrer a recursos batidos de filmes denúncia, que quase sempre caem para uma evidencia apelativa.
Nota: 9.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Nomadland
Data de lançamento: Abril de 2021
Direção: Chloé Zhao
Elenco: Frances Mcdormand, David Strathairn
Gêneros: Drama
Nacionalidade: EUA