“One Night in Miami” conta uma história levemente ficcional sobre uma noite, após a primeira vitória de cinturão do Cassius Clay. Então, vemos Cassius, Malcolm X, Sam Cooke e Jim Brown em um quarto de hotel debatendo sobre o posicionamento de cada um no movimento negro.

O filme está disponível na Netflix.

Múltiplas visões

Apesar do forte caráter teatral (é uma adaptação de uma peça de mesmo nome do Kemp Powers, também roteirista do filme), com foco no texto e nas atuações, algo que tem mais a ver com a linguagem do teatro do que do cinema, Regina King consegue envolver o longa em uma esfera cinematográfica por meio da importância dada a presente montagem e ao sentido inserido na imagem. Por mais que os diálogos e a movimentação dos atores gritem na tela, eles jamais funcionariam da mesma forma sem os enquadramentos da diretora estreante.

Por ser um filme sobre debates que mostram as divergências de opinião dentro de um mesmo movimento, constantemente vemos algum personagem em desvantagem na discussão, sendo confrontado pelos outros três. Ou então uma conversa mais acalorada entre dois, enquanto os outros apenas observam. Dessa forma, o longa só funciona graças ao direcionamento dado pela câmera de Regina, sempre evidenciando quem se mostra em posição de vantagem ou desvantagem, seja por meio de uma ângulo alto ou baixo, ou com uma montagem que separa os personagens nos planos de acordo com cada momento ou discussão.

Assim, somos convidados a observar aqueles astros sendo humanizados, em um ambiente distante das câmeras, onde podem imprimir suas ideias e mostrar suas facetas sem medo de julgamento. E isso se torna mais agradável graças ao ótimo elenco que parece escolhido a dedo. Kingsley Ben-Adir dá vida a um Malcolm X que parece sempre falando como se tivesse em público, o que demonstra sua crença na causa, mas também sua impossibilidade de ser confrontado. Já o ótimo Leslie Odom Jr., como Sam Cooke e que deve ser indicado ao Oscar, aparece como um contraponto, sendo alguém que não rejeita a causa, mas não vê problema em viver para benefício próprio, além de enxergar valor em suas ações que ajudam outros negros, mesmo que longe dos holofotes.

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E no meio desses dois furacões, vemos Eli Goree, um Muhamad Ali jovem e indeciso, mas não por isso ausente de sua luta, e um Jim Brown, interpretado por Aldis Hodge, muito mais contido e observador, ao mesmo tempo que tenta esconder o que sente e como enxerga a sua luta pessoal, cansado de ser visto como o “bom negro”, aquele que os brancos torcem a favor, mas que jamais o querem como igual.

Entretanto, nada disso funcionaria da mesma forma se não fosse o seu texto potente e cheio de significado. Regina e Kemp evidenciam como a convulsão social da década de 1960 não se mostra tão distante dos dias atuais, ao mesmo tempo que mostram como o pluralismo de ideias é sempre necessário, sobretudo quando esse representa uma luta legítima por igualdade. Essa combinação faz como que “One Night in Miami” nunca perca fôlego, mantendo-se engajante do primeiro ao último minuto e ainda encontrando espaço para um belo momento contemplativo no topo do hotel, em que, por alguns segundos, aqueles quatro podem ser vistos juntos no mesmo plano.

O longa consegue ser uma daquelas histórias fascinantes que o cinema é capaz de nos proporcionar, uma reflexão profunda feita por figuras universais em seu íntimo, transformando-os em seres humanos. Se isso aconteceu de verdade ou não pouco importa, desde que ninguém tenha a imagem prejudicada, essas liberdades são mais do que bem-vindas à sétima arte.

Nota: 8.5

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: One Night in Miami
Data de lançamento: 15 de janeiro de 2021
Direção: Regina King
Elenco: Leslie Odom Jr., Kingsley Ben-Adir, Eli Goree
Gêneros: Drama, Melodrama
Nacionalidade: EUA