“Passageiro Acidental” conta a história da tripulação de três pessoas que tem como objetivo começar o processo de criação de vida em marte. Entretanto, eles são surpreendidos por um quarto integrante acidentalmente escondido na nave.
O filme está na no catálogo da Netflix.
Tempo e dilemas humanos
É muito raro no cinema hollywoodiano atual (mais precisamente, nos últimos 30 anos) encontrarmos uma obra preocupada com a passagem do tempo de forma quase despreocupada. Pode parecer contraditório, mas é exatamente isso que “Passageiro Acidental” executa com muita segurança pela mão cuidadosa do seu diretor Joe Penna. É um filme que não tem medo de colocar o tempo no centro de sua narrativa e deixar os dilemas morais orbitarem em torno dele.
Isso fica claro desde a sequência de abertura, em que, sem conhecer os personagens, somos jogados juntos a eles no lançamento daquela nave para o espaço. Nesse momento, Penna mantém a câmera dentro da nave de lançamento por quase dez longos e tensos minutos, reforçando a inquietação apenas com o som ambiente, a trepidação e a expressão dos tripulantes. O diretor também já demonstra habilidade para dizer muito sem precisar de diálogos, algo que se estende por toda a projeção. Logo sabemos como aqueles três reagirão nos momentos que virão a seguir, a líder com firmeza, a protagonista com nervosismo, mas capaz de lidar com a pressão, enquanto o terceiro personagem é o mais propenso a se desesperar e tomar decisões precipitadas.
Com isso, em dez minutos de filme já temos todas as informações resumidas que necessitamos e o filme permite se desacelerar e contemplar aquela situação de isolamento e quietude que os personagens viverão. Descobrimos melhor quem eles são, a relação entre eles e conhecemos melhor todo o espaço por meio de uma câmera sutil de Penna, que passeia pelo local reforçando a sensação de claustrofobia com a compressão dos ambientes e de inquietude, ao sugerir desde o início algo pode dar errado.
Indo contra o sistema hollywoodiano tradicional, que sempre aposta na velocidade e montagem mais acelerada, “Passageiro Acidental” sabe que o tempo é seu aliado e sua maior arma. Por isso, só com quase 20 minutos de filme temos a primeira perturbação da ordem dessa história, com a apresentação do “intruso”. Porém, é só na metade da obra que o real problema fica evidente, e não nos primeiros trinta minutos como estamos acostumados. Só que tal escolha funciona, porque Penna sabe jogar com a expectativa do público, acostumado a assistir obras de criaturas perigosas em filmes de espaço (e o título também sugere isso), mas aos poucos o cineasta nos desarma ao apresentar um quarto passageiro bondoso, com uma história de vida de luta e amor por uma jovem irmã adotiva e repleto de sonhos para o futuro. De vilão esperado ele passa a ser uma vítima do acaso.
Só quando todas as relações são estabelecidas, o roteiro nos traz o dilema que colocará todos aqueles personagens à prova. É uma daquelas questões que põe o público para pensar o que faria se tivesse naquela situação. E é difícil obter uma resposta que não seja devastadora. Mais uma vez o tempo surge como elemento fundamental, já que o problema não é uma ameaça direta, mas uma que vai “matando” toda tripulação a cada minuto de indecisão. E, de novo, Penna faz questão de estender esses momentos, o tempo está ao seu lado, não existe suspense se tudo for feito às pressas.
É bem verdade que o filme tem um pouco de dificuldade de lidar com os problemas menores que precisam ser resolvidos para solucionar a questão central. Quando o escopo sai dos dilemas pessoais e entra em uma grandiosidade espacial, a obra perde um pouco de sua força dramática, ainda que Penna consiga construir tensão nessas sequências repletas de CGI (um ótimo CGI, por sinal). Mas é inegável que o longa funciona melhor quando centrado no menor, nas pequenas reações e gestos que transbordam sentimentos e apreensão, algo reforçado pelas ótimas atuações de seus quatro personagens, com destaque para Toni Collette, que com poucas linhas de diálogo é capaz de dizer muito sem precisar falar.
Então, com um excelente dilema humano e uma direção segura e sem pressa, “Passageiro Acidental” é um interessante sci-fi com muita humanidade. Ao ser lançado em 2021, o filme ainda é capaz de se relacionar com a nossa situação atual de isolamento e falta de oxigênio, assim como a os médicos, enfermeiras e fisioterapeutas que arriscam suas vidas diariamente para tentar salvar quem é atingido por esse vírus mortal.
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Stowaway
Data de lançamento: 22 de abril de 2021
Direção: Joe Penna
Elenco: Anna Kendrick, Toni Collette, Daniel Dae Kim
Gêneros: Drama, Ficção Científica
Nacionalidade: EUA