“Project Power” se passa em uma New Orleans distópica em que uma nova droga em formato de pílula dá super poderes para aqueles que a usarem durante cinco minutos.
Rejeição ao cinema de herói
Não é novidade para ninguém que os filmes de super-herói dominaram o cinema hollywodiano na última década, sendo responsáveis por várias das maiores bilheterias da história (se não levar em consideração o ajuste da inflação). Todo esse movimento se inicia no começo dos anos 2000 com o sucesso dos “X-Men” e do “Homem-Aranha”, do Sam Raimi, que fizeram os estúdios mudarem sua concepção a respeito de filmes desse gênero.
Entretanto, como acontece com tudo na vida, todo movimento gera oposição e resistência em algum grau, e com os filmes de super-herói não foi diferente. Mais do que apenas uma ala de diretores que defende um cinema mais puro e clássico, houve também um movimento oposto dentro do próprio gênero, com filme de heróis/quadrinhos que rejeitam essa fórmula pronta que se multiplica nesse cinema. Um exemplo recente disso é “Coringa”, mas também já vimos obras anteriores adotar ideias semelhantes como a trilogia de M. Night Shyamalan, que se iniciou com “Corpo Fechado”, e filmes de menor orçamento, como “Poder Sem Limites”.
E é justamente nesse contexto que a Netflix tenta lançar “Project Power”, um filme que se vende como um longa de herói, mas na prática tenta rejeitar o modo quase pré-pronto que muitas dessas obras são realizadas. E digo “tenta” porque na realidade a obra acaba sendo muito menos subversiva do que pretende.
A ideia de criar uma história socialmente relevante, que discute as diferenças de classes e o caos que o poder descontrolado pode gerar é bastante interessante, assim como é raro vermos uma produção do gênero que dá espaço para o desenvolvimento das relações entre seus personagens, brincando até com a dinâmica do sidekick, que aqui ganha protagonismo por meio da ótima Dominique Fishback, enquanto o policial badass, interpretado por Joseph Gordon-Levitt, é atrapalhado e sempre precisa ser salvo.
Também não posso deixar de elogiar como o longa trabalha os poderes, de maneira diversificada para cada pessoa, o que gera algumas das melhores sequências da obra. Porém, é justamente pela boa premissa, ideias interessantes e ótimo elenco (destaque também para um Jamie Foxx leve e debochado) que “Project Power” se torna uma grande decepção ao não conseguir explorar grande parte do potencial que tinha.
Anti cinema de herói?
E aqui volto ao ponto inicial da minha crítica. Apesar de tentar propor algo diferente, o que vemos em “Project Power” é uma falsa subversão não só do gênero de super-herói, mas também do cinema blockbuster como um todo. Dessa forma, as relações sociais e os dramas dos personagens acabam ficando em segundo plano e se tornando apenas desculpas para grandes cenas de ação com muito poder e CGI carregado.
Então, na tentativa de rejeitar o genérico, o longa apela para uma série infinita de clichês. O uso constante de neon para explorar um universo distópico, as frases de efeito, os vilões genéricos e sem qualquer desenvolvimento (dá pena da caricatura escrita para o excelente Rodrigo Santoro) e cena entre créditos, algo que se popularizou justamente com os filmes da Marvel que “Project Power” tenta se afastar, são apenas algumas da muitas escolhas nada inovadoras que o longa faz. Até ideia por trás da camiseta do New Orleans Saints usada pelo personagem de Levitt parece reciclada daquilo que “Bad Boys” já havia feito (por coincidência ou não, os Saints são os maiores rivais do Atlanta Falcons, da camiseta uilizada pelo personagem de Matin Lawrence).
Algo parecido acontece também com a direção, que fica a cargo de Henry Joost e Ariel Schulman (“Nerve”). A pretensão pelo diferente é tão grande que eles acabam caindo na armadilha da estilização exagerada que se torna brega. Excesso de planos tortos (plano holandês), várias câmeras subjetivas sem propósito, muitos movimentos de câmera feitos com grua. Esses e outros elementos estéticos tentam apenas trazer uma pompa desnecessária para o longa, mas ridiculariza mais do que engrandece.
E o pior é que os diretores conseguem demonstrar talento em vários momentos, como nas duas vezes que Fishback cria rap de improviso e em algumas sequências de ação, como a que ficamos presos junto a uma personagem em uma câmara congelando enquanto vemos vagamente a pancadaria rolando solta no fundo ou quando a câmera acompanha os movimentos do personagem de Levitt enquanto ele luta com um capanga inimigo.
Portanto, “Project Power” está cheio de bons momentos e ideias, e está longe de ser um desastre, mas o fraco desenvolvimento narrativo e a pretensão exagerada pelo diferente acabam minando um projeto que tinha tudo para ser muito melhor.
Nota: 4.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Project Power
Data de lançamento: 13 de agosto de 2020 (1h 53min)
Direção: Henry Joost e Ariel Schulman
Elenco: Jamie Foxx, Joseph Gordon-Levitt, Dominique Fishback mais
Gêneros: Ação, Policial
Nacionalidade: EUA