“Shirley” conta a história de uma jovem e seu namorado que vão morar com uma escritora famosa e um professor universitário. Mas ela vai descobrir que o lugar é muito diferente do que ela imaginava.
Ficção biográfica
Apesar de apresentar alguns problemas, “Shirley” tem a ousadia de propor uma história nova a partir de uma personagem real, algo louvável por fugir do senso comum e das escolhas mais simples. O longa aproveita a escritora Shirley Jackson, vivida aqui pela sempre excelente Elizabeth Moss, para criar um terror psicológico dramático e incômodo. E, apesar de ignorar quase que completamente os fatos reais, o filme justifica a presença da autora ao traçar um paralelo claro entre a ficção aqui criada e as obras de terror da escritora.
Entretanto, “Shirley” não tem como protagonista a personagem que dá nome ao filme, e, sim, Rose (Odessa Young), uma jovem universitária que chega com o seu marido, Fred (Logan Lerman), para se hospedar por um tempo na casa da escritora, que mora com o seu marido Stanley Hyman (Michael Stuhlbarg), com quem não tem uma boa relação, algo evidenciado desde a primeira cena em que aparecem juntos, já que a diretora Josephine Decker (A Madeline de Madeline) faz questão de marcar isso visualmente, como ao enquadrá-los sempre distantes (por exemplo ao sentarem para jantar cada um em uma ponta da extensa mesa).
Porém, se a forma como a diretora apresenta o casal é bastante reveladora, mais ainda é a primeira aparição da personagem-título. Em uma festa, acompanhamos a protagonista em meio a uma multidão tentando chegar a Shirley, que surge quase como uma atração do local, enquanto Rose é só mais uma tentando se fazer notada. Não à toa vemos tudo sob o ponto de vista da mais jovem por meio da câmera subjetiva.
Apenas com esses poucos minutos já notamos a dominância que a personagem de Moss tem sobre a de Young, ao mesmo tempo que vemos que a escritora também é bastante insegura e muito de sua fama inicial está mais ligada ao espetáculo do que a uma fascinação para com a personagem (o que sugere desde o início como as pessoas cultuam muito mais suas obras do que ela em si).
A partir de então, o longa começa a criar uma relação entre as duas personagens, que inicialmente parece de oposição, mas que aos poucos demonstra o quanto as duas têm em comum. Isso é representado ao vermos uma das personagens se olhando no espelho, enquanto o plano a mostra duplicada. Não é loucura observar uma delas como fruto da imaginação da outra. Rose é Shirley mais nova, ao mesmo tempo que Fred é Stanley no começo de relacionamento. Seria um delírio pessoal ou a tentativa de moldar a outra para que se torne igual a si mesma? Esse é o tipo de pergunta que cabe ao espectador responder.
Terror psicológico
Todavia o longa funciona muito melhor como um drama de época tematicamente atual (ao abordar a posição da mulher na sociedade, as relações matrimoniais e para com as celebridades etc) do que quando tenta abraçar o terror psicológico. Ao criar uma dinâmica em que a história escrita dentro da história ganha vida de forma metafórica no universo diegético, a obra perde força. Isso porque o filme é muito mais eficiente em seu caráter sugestivo do que quando é obrigado a abraçar o gênero e as temáticas que deseja trabalhar. Com isso, o terceiro ato se torna óbvio demais, recorrendo a alguns clichês formais desse terror independente que vem se popularizando nos últimos anos (que alguns insistem em utilizar o bizarro termo “pós-terror”).
Então, vemos um amontoado de ideias e motivações serem mal trabalhadas em prol da loucura. Não uma loucura propriamente dita, mas os delírios de uma protagonista, que podem ou não ser reais (mais um clichê bastante comum do gênero). Assim, sem perceber, o longa abandona o seu lado subversivo para cair no senso comum.
Porém, apesar de se perder em seu desfecho, “Shirley” é uma obra interessante que trabalha vários gêneros, mas nunca perde sua unidade, além de ter as suas atuações como o ponto alto, sobretudo Moss.
Nota: 7.0
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Shirley
Data de lançamento: 05 de junho de 2020 (1h 58min)
Direção: Josephine Decker
Elenco: Elizabeth Moss, Odessa Young, Logan Lerman mais
Gêneros: Filme de época, Drama
Nacionalidade: EUA