“Tenet” conta a história de um homem que trabalha na CIA e é recrutado por uma organização secreta que conhece o tempo de uma forma diferente da que estamos acostumados.
Desculpa da complexidade
Nunca diga a um diretor de cinema que ele é genial, isso poderá destruir a sua carreira. Christopher Nolan surgiu no final do século passado como um dos diretores mais promissores de Hollywood. Depois de acumular obras de qualidade como “Amnésia”, “Batman Begins”, “Batman: O Cavaleiro das Trevas”, “O Grande Truque” e “A Origem”, o cineasta ganhou o status de “visionário”, o que ele mesmo fez questão de colocar no trailer de “Tenet”, em uma ação que só demonstra a sua arrogância.
Até aí nenhum problema, tudo bem um diretor se achar fantástico desde que ele realmente seja. O problema é quando um cineasta acredita ser um gênio, mas o seu cinema apresenta diversos problemas. Mesmo em seus melhores filmes, Nolan sempre demonstrou dificuldade em criar uma exposição coerente, estabelecer a mise en scène em cenas de ação e principalmente passar emoções. Só que ao invés de evoluir, o diretor preferiu extrapolar aquilo que fazia bem, apresentando assim uma insaciável megalomania crescente a cada filme.
Depois de “A Origem”, os filmes foram ficando cada vez maiores e com menos coração. O cineasta achou que era um Kubrick antes mesmo de ser um James Cameron (que é muito mais diretor do que Nolan). Resultado: mais de uma década sem um filme realmente bom, sendo “Tenet” talvez o pior de sua carreira (a competição com o fraco “Interestelar” é bem acirrada).
Então, finalmente chegamos a “Tenet” e o que o faz ser o filme mais frustrante de 2020. Desde sua espetacular abertura, montada de forma frenética com a urgência sendo ressaltada pela trilha sonora (aquilo que Nolan faz a carreira inteira), o diretor mostra mais uma vez sua habilidade para construir belas sequências de ação. Até o seu problema com a mise en scène foi parcialmente corrigido aqui. Além disso, os bons conceitos físicos de tempo geram cenas de ação ainda mais interessantes, além de abrirem espaço para um possível bom desenvolvimento. Seria tolice da minha parte não reconhecer os méritos do filme, tanto em conceitos quanto nas sequências de ação. Arrisco dizer que são as melhores que ele fez em toda a carreira. Entretanto, as qualidades de “Tenet” param por aí.
A arrogância do diretor aparece justamente em sua construção formal. O longa é sem dúvida o mais maquinado de sua carreira. Nada acontece por uma reação causal de eventos, tudo só está no filme porque o cineasta achou que seria genial se assim o fizesse. É como se Nolan não permitisse que seus personagens tenham escolhas coerentes ou que o roteiro se desenvolva por conta própria. Ele faz questão de sempre nos lembrar de que aquilo é um filme e ele está comandando toda a narrativa.
Assim, mais uma vez ele aposta no high concept como a grande força do filme, o que é uma pena, porque os conceitos de “Tenet” são realmente excepcionais e complexos. O problema é que isso pouco importa, já que tudo de físico ou científico aqui aparece apenas como uma desculpa para as cenas de ação grandiosas. A entropia vira um mero dispositivo para o cineasta colocar personagens e objetos indo em sentidos opostos nessas sequências, o que sem dúvida gera momentos visualmente marcantes, porém vazios.
Muita gente está comentando sobre a complexidade do longa ou sobre a dificuldade de compreender os conceitos, mas a verdade que isso pouco importa. Não é necessário entender entropia para compreender “Tenet”, já que para acompanhar o filme basta ver as cenas de ação e perceber que tudo aquilo é uma desculpa para um plot twist previsível e mal construído. A complexidade dos conceitos é só um exibicionismo do diretor que aparece no meio do caminho, assim como ele já havia feito em “Interestelar”.
Roteiro, elenco e linguagem cinematográfica
E quem mais sofre com essa maquinação forçada é o ótimo elenco, que fica preso a reagir àquilo que os personagens devem fazer porque assim Nolan quer que aconteça. É um cinema totalmente voltado para o espetáculo e nem um pouco voltado para o humano. Se em “Interestelar” algumas cenas dramáticas funcionavam, ainda que envoltas na breguice de um diretor que não sabe o que drama significa, “Tenet” simplesmente abandona os seus personagens. Não há qualquer desenvolvimento ou background aqui. Somos obrigados a acompanhar personagens que poderiam tranquilamente serem substituídos por robôs de tão pouco que conhecemos deles. Mas como torcer pela jornada daqueles com quem não nos importamos? Simplesmente não tem como, se o protagonista tivesse morrido com 30 minutos de filme, eu pouco sentiria por isso.
Mas pior que os personagens e os pontos de virada do roteiro é o uso da linguagem cinematográfica. Às vezes dá impressão de que Nolan pulou todas as aulas da faculdade que não envolvessem “criar cenas de ação” (matéria que não existe e isso é claramente uma piada). Mais uma vez voltamos à mão pesada do diretor e tudo acontecer só porque ele quer. Lembra que eu falei dos seus problemas com exposição? Isso ficou ainda pior nesse filme.
Os conceitos são complicados e para o público entendê-los realmente seria necessário uma boa dose de explicação. Então, o problema não é ter muita exposição e sim como ela é feita. Todas as vezes o mesmo recurso de montagem é utilizado: um personagem começa a explicar algo para o protagonista e a cena é cortada para os dois andando em uma rua aleatória, enquanto a exposição continua. Tal recurso beira o ridículo e se torna ainda pior pelo número de vezes em que o cineasta o utiliza.
Todavia, ainda mais problemático é o acúmulo de texto dito por um personagem incessantemente para explicar esses conceitos. Qualquer livro básico de roteiro diz que tal recurso não deve ser empregado porque o público tem dificuldade de acompanhar longas falas (que aqui mais parecem monólogos), principalmente quando essas linhas de diálogos apresentam aqueles conceitos que teoricamente são os mais importantes para o entendimento do filme. Não me espanta que muita gente não tenha entendido o filme, já que Nolan faz de tudo para que a compreensão seja atrapalhada por uma exposição mal realizada.
E mesmo que “Tenet” tenha algumas das melhores cenas de ação da carreira do cineasta, isso não basta para manter qualquer vínculo entre o público, os personagens e a narrativa. É um desperdício de talento colossal que poderia ser resolvido com apenas uma mudança: o roteiro ter sido escrito por Jonathan Nolan, e, não, pelo seu irmão. Sinto falta de quando eles trabalhavam juntos e o Christopher não fazia questão de estampar a sua arrogância em tela. Vale lembrar que o cineasta fez de tudo para estrear o filme em julho, quando a pandemia matava milhares de pessoas por dia nos Estados Unidos, o que só demonstra que ele talvez realmente acredite que é Deus, mesmo sendo apenas um diretor desperdiçando o seu talento por sua própria prepotência.
Nota: 3.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Tenet
Data de lançamento: 28 de outubro de 2020
Direção: Christopher Nolan
Elenco: John David Washington, Robert Pattinson, Elizabeth Debicki
Gêneros: Ação
Nacionalidade: EUA