Após o sucesso absoluto de “Vingadores: Ultimato”, a Disney e a Marvel tinham uma grande decisão a tomar: Como continuar um universo que teve seu ápice no que seria um fechamento perfeito e por consequência “perdeu” seus dois principais e mais populares heróis?

Porém, a decisão já estava tomada antes mesmo dos vingadores vencerem Thanos e explodirem as bilheterias em todo o mundo. Ainda que pouca gente fale sobre, a Marvel, sem sombra de dúvidas, quer para o seu Universo Cinematográfico (UCM) o que faz com as histórias em quadrinhos (HQs) há muitas décadas. Os indícios são bem evidentes, já os resultados nebulosos e só poderão ser medidos daqui 10 anos ou mais. Mas por que continuar um universo que teve um fechamento que agradou a todos? Tal motivação da Marvel e da Disney é a resposta mais simples: continuar ganhando dinheiro com um grande fandom já estabelecido.

Então, para colocar tal plano em prática a Marvel decidiu expandir os seus produtos, saindo apenas do cinema para entrar no mundo da televisão. De certa forma, aqui entra mais um fator comercial relevante, as séries com episódios semanais atraem público para o Disney+ e, por consequência, a Disney lucra ainda de outra forma que não com o cinema. Mais do que isso, ter um streaming próprio relevante é a nova mina de ouro da indústria.

Marvel inovando?

Tal escolha não chega a ser inovadora, Star Wars, por exemplo, há muitos anos estabeleceu um cânone (depois alterado pela Disney, mas que segue com o mesmo formato) que vai além apenas do cinema. HQs, séries animadas, livros, guias e, agora, séries em live action fazem parte da mesma linha do tempo dos nove filmes e dois spin off.

Mas, se o formato é semelhante ao de Star Wars, que faz sucesso há tanto tempo, o que há de tão diferente nessa expansão do UCM? Importância de cada obra e evolução dos eventos e personagens. Ou seja, Star Wars explora todo um vasto universo, mas os acontecimentos importantes são feitos nos filmes, enquanto esses têm saltos temporais entre as trilogias. Assim, os filmes são os grandes eventos e qualquer fã pode acompanhar Star Wars apenas por eles. Além disso, o espaçamento entre as obras faz com que cada história se feche em trilogias, abrindo outra história com outro objetivo na trilogia seguinte. As obras de outras mídias servem como complemento para os fãs com desejo de consumir mais conteúdo daquele universo.

Critica Loki 1a Temporada Disney 2

Já o UCM, continua seguindo uma linha reta, com eventos seguindo uns aos outros, ao mesmo tempo que todas as obras, tanto filmes quanto séries, são obrigatórios para o entendimento de futuros filmes e do universo como um todo. É difícil prever se tal escolha vai ter bons resultados e por quanto tempo, mas é inegável que é uma proposta ousada. Ainda mais se termos em vista que, diferente dos quadrinhos que são muito mais nichados, o UCM tem um custo altíssimo e depende não só dos fãs mais assíduos da Marvel, mas também do chamado “público casual”.

O objetivo da Disney é, de certa forma, o do monopólio do conteúdo audiovisual. Isso porque se levarmos em consideração filmes e os episódios semanais das séries, terá algo novo do UCM quase todas as semanas do ano. E para entender o universo você será obrigado a consumir todas. Isso fica claro ao surgir nas séries vários eventos importantes para a continuidade do universo. Foram nelas que tivemos a criação do multiverso e o novo detentor do manto do Capitão América. É impossível assistir aos próximos filmes sem levar em consideração esses acontecimentos. É o estúdio dizendo para o público: “se você não tem tanto tempo para ver filmes ou séries, gaste esse pequeno tempo com a minha série, no meu streaming ou com o meu filme nos cinemas”.

Só o tempo dirá se esse grande público permanecerá fiel a esse consumo intensivo de conteúdo ou se aos poucos começarão a enjoar e procurar obras diferentes.

Relação com os quadrinhos

Entretanto, a maior relação entre o UCM atualmente e os quadrinhos mora nessa continuidade “infinita” e exigência de renovação, mas sem deixar de seguir com a história. Então, as obras já estão no calendário para além de 2025, enquanto a formação original dos vingadores, aquela que vai até “Ultimato”, vai sendo substituída por “equivalentes”.

Ou seja, com a saída de Robert Downey Jr.(Homem de Ferro), Chris Evans (Capitão América), Scarlett Johansson (Viúva Negra), além dos que devem sair em breve Chris Hemsworth (Thor), Jeremy Renner (Gavião-Arqueiro) e Mark Ruffalo (Hulk), os únicos personagens do primeiro filme dos Vingadores a seguir no Universo devem ser Tom Hiddleston (Loki) e, em pequenas participações, Samuel L. Jackson (Nich Fury).

Então, além de explorar mais personagens secundários que já tinham sido apresentados, como Homem-Formiga, Vespa, Doutor Estranho, Guardiões da Galáxia, Soldado Invernal e Homem-Aranha, o UCM vai, aos poucos criando substituições para os personagens clássicos. Sam Wilson já virou o novo Capitão América, enquanto Yelena deu indícios de seguir os passos da Viúva Negra. Kate Bishop já foi confirmada e deve substituir o Gavião-Arqueiro, Jane Foster o Thor, Riri Williams o Homem de Ferro e She-Hulk o Hulk.

Assim, o universo se expande, mas sempre mantém os equivalentes dos principais heróis existindo. Tal prática é super comum nos quadrinhos, com novas formações dos vingadores ou até os chamados jovens vingadores, que devem marcar presença no cinema e na televisão também.

Por que o Universo Marvel esta virando quadrinhos 2

Porém, essa não é a única prática das HQs que o UCM está adotando. A principal delas é justamente a criação do multiverso, apresentado em “Loki” e que terá continuidade em novos filmes como “Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania”, “Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa” e “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”.

O multiverso é a desculpa ideal para manter um universo existindo para sempre, já que há infinitas possibilidades de personagens novos ou dos antigos. Por exemplo, com o multiverso, é possível que o Tony Stark de uma linha variante simplesmente volte algum dia se Robert Downey Jr. desejar reviver o papel. As HQs usam essa fórmula há anos para “dar reboots” após fechamentos de grandes sagas e reviver heróis que haviam morrido.

A própria lógica de reviver personagem já existe no universo. Visão e Gamora haviam morrido, mas voltaram “diferentes”, o primeiro usando peças da versão original, mas com outra mente, e a segunda vindo do passado em uma versão anterior a que morreu. E, claro, Loki é o grande campeão de retornos a vida.

Vai dar certo?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares que nem a Disney é capaz de responder. Mas tendo em vista que ainda há grandes personagens para entrar no UCM, como Quarteto Fantástico, X-Men e Blade, fica claro que a Marvel acredita que esse universo seguirá rendendo bastante por mais de uma década.

Todavia, tal projeto visando apenas o comercial pode ser mais arriscado do que parece. Ele não leva em conta a saturação que o gênero de super-heróis vem começando a demonstrar. Se olharmos para a história do cinema, nenhum gênero morre completamente, mas vários extremamente populares deixaram de dar retorno financeiro e se tornaram secundários em Hollywood. Os dois melhores exemplos são o faroeste e o musical, que dominaram o mercado com ampla vantagem entre os anos 30 e 50, mas a partir da segunda metade dos anos 1960 foram reduzidos a poucas obras por ano e deixaram de serem atrativos aos estúdios. A comédia romântica passa por momento semelhante, enquanto muitos subgêneros, como o slasher, tiveram o mesmo destino.

É uma prática bastante comum de Hollywood, descobrir um estilo ou gênero cinematográfico e explorá-lo até que ele se desgsate e pare de render dinheiro. A grande questão é quanto tempo os super-heróis vão ser populares com todo o público. É claro que a base de fãs, aqueles que continuam consumindo HQs, por exemplo, seguirá acompanhando, mas só eles não são capazes de sustentar um universo que gasta bilhões por ano. A Marvel tem como maior desafio não deixar o restante do público abandonar o UCM depois de um tempo.

E justamente por isso que eu me questiono. Lançar obras quase semanalmente e obrigar o público a consumir todas elas é o melhor caminho para essa manutenção do público geral? Eu desconfio que não, mas isso só o tempo dirá.