“The Last Of Us Part II” (leia a crítica) e “Ghost Of Tsushima” estrearam recentemente (o segundo apenas para PlayStation 4) e quebraram recordes de vendas. Esse vendeu mais de quatro milhões de cópias nos três primeiros dias, enquanto esse ultrapassou os dois milhões no mesmo período, marca inédita para um primeiro jogo de franquia. Antes disso, em outubro de 2019, “Red Dead Redemption 2” também foi um sucesso de vendas.
Mas qual seria a relação entre esses jogos além do sucesso de vendas? À primeira vista, os três não parecem ter tanta proximidade além disso e dos trabalhos de gráfico e narrativa acima da média. Entretanto, se observamos mais a fundo, os universos zumbi, western e japão feudal não são tão distantes quanto parecem. Mais do que isso, os três são perfeitos para proporcionar algo que se torna cada vez mais necessário na sociedade em que vivemos: o escapismo.
Relação entre os universos
Dos três universos criados aqui, a relação entre o mundo dos pistoleiros e o dos samurais é historicamente mais evidente. Não à toa, os cinemas de samurai e faroeste sempre andaram juntos, com um influenciando o outro ao longo das décadas. O caso mais marcante envolve o mestre japonês Akira Kurosawa, maior nome do cinema de samurai e grande influência para “Ghost of Tsushima”. Visto que, no jogo, há até um modo em preto e branco e que simula a película cinematográfica que recebe o nome de “modo Kurosawa”.
O diretor japonês é sem dúvida um dos mais influentes de todos os tempos. Não são poucos os casos de filmes americanos que se inspiraram ou até recontaram histórias de Kurosawa, como é o caso dos remakes de “Os Sete Samurais” e “Yojimbo”, “Sete Homens e Um Destino” e “Por Um Punhado de Dólares”, respectivamente.
Porém, antes de influenciar o western hollywodiano e spaghetti, Kurosawa aprendeu muito com o primeiro. O diretor nunca escondeu sua admiração pelo grande nome do faroeste americano John Ford, chegando até a declarar que, para ele, cinema era aquilo que Ford fazia e o americano era a sua grande fonte de aprendizado.
E não é difícil entender o porquê desses dois mundos estarem tão interligados no cinema. Apesar de não terem existido exatamente na mesma época na vida real, o faroeste e o japão feudal apresentam características muito parecidas. São épocas em que a civilização que conhecemos hoje estava em desenvolvimento e que as leis não eram tão sólidas, permitindo assim um índice maior de cometimento de crimes. Então as figuras do pistoleiro e do samurai surgem como símbolos de superioridade e heroísmo dentro daqueles universos para combaterem os terríveis foras-da-lei (pelo menos assim é retratado no cinema).
Mas e qual seria a relação desses mundos com o de “The Last of Us”? Apesar de temporalmente bem distantes, o universo pós-apocalíptico zumbi também se sustenta na falta de lei e civilização, só que aqui é a pós-civilização, enquanto no outros dois é uma pré-civilização. Além disso, vemos constantemente como o maior problema desse mundo são os seres humanos, sendo mais perigosos até do que os zumbis. E a formação de milícias armadas que buscam dominar as pessoas que ali vivem nada mais são do que os foras-da-lei desse mundo.
Então, nesses três universo distantes, o objetivo de qualquer pessoa é apenas sobreviver em um ambiente inóspito, escasso e perigoso, em que as leis são falhas ou inexistentes.
Escapismo e realidade atual
Em um mundo repleto de discursos de ódio e polarização como o que vivemos, nós sentimos uma necessidade muito grande de colocar para fora nosso lado mais animalesco e violento. Só que somos impedidos tanto por nossos mecanismos de controle do cérebro quanto pela legislação.
Dessa forma, recorremos à arte e ao entretenimento para satisfazer esse nosso lado mais violento. O cinema sempre foi um espaço para o escapismo. Nada mais normal do que um filme que faça a gente vibrar com uma dupla policial que tortura os bandidos para conseguir chegar no líder da organização criminosa ou com a vingança sanguinária de um protagonista. Isso acontece porque nos entregamos a essas experiências e nos libertamos do nosso senso moral. Por não ser realidade e não apresentar consequências, nos satisfazemos há décadas dessa forma.
Porém, quando os vídeo games abraçam esse lado mais realista e violento, tudo ganha uma outra camada. Por mais que muitas vezes um jogo obrigue a gente a cometer tal ação para avançarmos na narrativa, diferente no cinema, em que somos apenas espectadores, nos games somos nós que apertamos o botão para aquilo acontecer.
E, como qualquer arte, os games (sim, eu os considero como arte) não vivem em um vácuo temporal, eles são influenciados pela sociedade e seus sentimentos. Por isso, não é por acaso que jogos com mundos sem lei estão tão em alta. E vale destacar aqui que esses três jogos citados se aproximam mais da realidade do que outros mais fantasiosos como “God of War” e “The Witcher”, que também fazem sucesso. Já que matar monstros e deuses é um pouco menos “real” do que matar pessoas. Nesse sentido, os infectados de “The Last of Us Part II” representam ainda outro medo atual: as epidemias que vemos aparecerem com maior frequência nos últimos anos.
Mas, antes que alguém pense que eu sou uma daquelas pessoas de discurso altamente moralista como “os games levam jovens a cometer crimes”, é bom deixar claro que eu busco com esse texto apenas relacionar o mundo repleto de ódio que vemos no nosso dia a dia com o escapismo realista proposto pelos games. Isso não é, de forma alguma, uma crítica à violência presente neles. Até porque gosto muito de todos os jogos aqui citados. Todo mundo precisa de uma certa dose de escapismo para se manter são no nosso mundo doente.
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