“Um Herói” apresenta um homem preso por dever a um agiota. Em uma saída temporária, ele comete um ato de bondade que se populariza e o torna um herói nacional.
O filme está disponível nos cinemas de São Paulo em exibições da 45ª Mostra Internacional de Cinema.
A angústia no real
“Um Herói” é mais um retrato angustiante da realidade, vinda de um diretor que adora torturar os espectadores levando seus personagens ao limite sem nunca quebrar sua lógica dramática mais realista.
Premiado em Cannes, “Um Herói” marca o retorno de Asghar Farhadi a uma produção iraniana, onde fez os seus melhores trabalhos até hoje (“A Separação” e “Procurando Elly”). O diretor volta a ver a sociedade sob sua ótima mais pessimista e violenta, construindo situações que transformem pessoas boas em animais irracionais.
Somos apresentados então a Rahim, um homem preso por não conseguir pagar suas dívidas e que aproveita sua saída temporária de dois dias para quitar tudo com moedas que sua namorada conseguiu. Só que, ele volta atrás quando descobre que a cotação do ouro abaixou e decide devolver as moedas para a sua suposta dona. O caso ganha proporções midiáticas e leva o protagonista a ser visto como um herói nacional, após alegar que ele achou o dinheiro e devolveu imediatamente.
Tal premissa relativamente simples é o suficiente para Farhadi construir uma teia de eventos que leva os seus complexos personagens a um caminho sem volta, o que é bem representado pela sequência de abertura, em que o protagonista anda por um longo tempo em uma vegetação sem vida e, depois, somos obrigados a vê-los subindo uma escada quase interminável. Essa é apenas a primeira grande dificuldade que ele terá de superar.
Isso porque, como é comum nos filmes do diretor, o universo parece sempre conspirar contra os personagens, fazendo com que pessoas boas/comuns sejam levadas a cometer atos duvidosos ou simplesmente sejam incapazes de conversar civilizadamente para chegar a alguma conclusão.
Com uma câmera na mão quase estática, planos longos e uma iluminação pouco estilizada, restrita a representar com realidade os focos de luz do universo do filme, Farhadi nos sufoca com o seu soco de realismo em que insere essas situações. Então, se Rahim é tentado a todo instante a mentir ou conseguir defender sua honra por caminhos um pouco mais reprováveis, isso acontece de forma natural e nos capacita a pensar o que faríamos naquela situação.
Sem vilanizar inteiramente ninguém, o cineasta deixa claro a motivação de cada um ali e todas (ou quase todas) são honestas. Aqui, ele usa muito bem a midiatização dos fatos, a construção de heróis pela sociedade, a desconfiança e a potência das redes sociais. Então, os maiores antagonistas se tornam seres invisíveis, essa população complexa e contraditória que existe naquele universo sem nunca aparecer. É essa a responsável por criar mitos e depois rejeitá-los, quase como se quisesse acreditar na bondade do próximo, mas não estivesse pronta para o momento em que esses atos bondosos chegassem.
“Um Herói” é então uma das experiências mais angustiantes dos últimos anos, ao mesmo tempo que é capaz de retratar com perfeição a sociedade iraniana e espelhá-la no mundo.
Nota:
Assista a minha crítica em vídeo:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: A Hero
Data de lançamento: 20 de outubro de 2021
Direção: Asghar Farhadi
Elenco: Amir Jadidi, Rana Azadivir
Gêneros: Drama
Nacionalidade: Irã