“Ataque dos Cães” acompanha a viúva Rose, que se casa novamente com George e vai morar no grande rancho do marido, mas começa a ser atormentada por seu cunhado Phil.
O filme está disponível na Netflix.
Muitos filmes em um
“Ataque dos Cães” se adentra na imensidão do western sob uma ótica intimista e claustrofóbica.
Há uma década longe das telonas, a australiana Jane Campion (que tem como longa mais famoso “O Piano”) retorna com o melhor filme da Netflix do ano, um faroeste revisionista que rejeita a estrutura clássica e os arquétipos (cowboy herói, fora da lei, xerife, estranho sem nome), mas usa elementos estilísticos do western como forma de contrastar ou significar a sua visão.
Assim, o grande plano geral, típico do gênero, não só mostra a imensidão do local, mas também serve para diminuir esses personagens solitários no espaço. Ao mesmo tempo, ela usa os grandes planos como sugestão do gênero, para depois gradualmente subvertê-la. A imensidão de vazio iluminado vai dando espaço a lugares e planos mais fechados e escuros.
O mesmo ocorre com os arquétipos do western, o cowboy pouco a pouco vai se transformando em uma figura detestável e ameaçadora, e Campion sustenta a primeira metade do seu longa se adequando em uma lógica de terror psicológico. Phil, vivido pelo aterrorizante, porém cheio de nuances e desejos reprimidos, Benedict Cumberbatch, em sua melhor atuação da carreira, atormenta a vida de Rose, que sofre calada, em uma belíssima e sutil interpretação de Kirsten Dunst.
Enquanto isso, Phil se mostra uma figura frágil quando próximo de seu irmão, George (Jesse Plemons), que não é mais forte fisicamente que Phil, mas, sim, muito mais inteligente e culto, demonstrando mais uma subversão à virilidade “poderosa” que é uma das bases do faroeste.
Só que, quando parecemos entender sobre o que é “Ataque dos Cães”, o terror que Phil cria para Rose por diversas cenas sem precisar dizer uma única palavra, Campion vai recorrer muito pouco a diálogos, mas criar sua sugestão por meio de elementos formais como o som pesado da pisada do cowboy ou a sua viola tocando para desarmonizar o piano da cunhada, depois disso tudo, entendemos finalmente que o filme não é sobre o drama da Rose, mas, sim, sobre o próprio Phil.
Passamos então a conhecer melhor esse personagem que nos foi designado para odiar. Entendemos aos poucos o porquê do seu jeito “machão”, sua sexualidade mal resolvida, como funciona sua real inspiração em Bronco Harry, entre outras sutilezas do personagem. E vale mais uma vez o destaque para como Campion não explicita nada, ela faz do público o voyeur do filme que terá de interpretar e sentir o que está sendo proposto. Isso é muito bem construído, por exemplo, por meio de uma rima visual, um travelling por dentro da escuridão da casa que mostra Phil se deslocando lá fora, até entrar no local. Esses dois momentos, quando comparados pela semelhança visual e contrastados pela diferença do que sabemos do personagem em cada uma das cenas, temos um resumo poderoso de “Ataque dos Cães” por meio desses dois simples planos.
Entretanto, toda essa mudança envolvendo o protagonista não é repentina. Nunca Campion nos faz sentir que estamos vendo dois filmes diferentes em um. Para isso, ela usa a inserção de Peter na narrativa. Será ele o responsável por entendermos a intimidade de Phil, ao mesmo tempo em que o garoto é mais um enigma proposto pela diretora para o público interpretar. Teria ele feito aquilo de propósito? Qual seria seus reais sentimentos por Phil? Tudo foi um plano desde o início para ajudar Rose a se libertar? Mais uma vez, cabe a nós encontrarmos as respostas, apesar da sugestão de Campion.
Dessa forma, “Ataque dos Cães” precisa de muito pouco para nos dizer muito. Enquanto a cineasta revisa o gênero mais tradicionalmente hollywodiano e fala sobre a própria construção da sociedade dos Estados Unidos, ela nos adentra no íntimo de personagens complexos para discutir como e por que surge a brutalidade masculina.
Nota:
Assista a minha crítica em vídeo:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The Power of the Dog
Data de lançamento: 1º de dezembro de 2021
Direção: Jane Campion
Elenco: Benedict Cumberbatch, Kirsten Dunst, Kodi Smit-Mcphee, Jesse Plemons
Gêneros: Faroeste, Drama
Nacionalidade: EUA