“Casa de Antiguidades” conta a história de Cristovam (Antonio Pitanga) que sai de Goiás e vai para uma cidade não especificada no sul do Brasil. Lá ele vive na solidão e é hostilizado pela população local. O filme marca a estreia de João Paulo Miranda Maria na direção de longas.

Ancestralidade como resistência

Em seu primeiro longa, João Paulo Miranda Maria recorre à ancestralidade e ao folclore como resistência ao racismo. Aqui acompanhamos Cristovam, um homem negro que sai de Goiás para se estabelecer em uma pequena cidade de sul do Brasil, onde a cultura alemã se faz muito presente e traços do nazismo podem ser identificados. Solitário, o personagem interpretado por Antônio Pitanga, com poucas palavras e muita presença, é hostilizado constantemente pelas pessoas da região, criando um isolamento ainda maior entre o protagonista e todos que o cercam (que é marcado também pela língua). Não à toa, ele se mostra incapaz até de se relacionar com a pessoa que busca uma aproximação benéfica.

Marcada por uma escuridão constante, objetos culturais brasileiros e com espaços reduzidos, a casa que dá nome ao filme é um retrato do aprisionamento vivido por Cristovam. Quase sempre o personagem aparece cercado por paredes próximas e filmado em contraluz. A iluminação que marca a bela cinematografia do longa tem papel importante também ao adentrar essa casa, sempre em pequena quantidade, apenas o necessário para o personagem sobreviver, mas não para ele viver.

Critica Casa de Antiguidades 44a Mostra de SP 2

Então, com o aumento da antipatia local e a impossibilidade de convivência, Cristovam recorre a sua ancestralidade para lutar por sua sobrevivência, em uma das sequências mais fortes que vi no ano, marcada por simbolismos e subtextos sociais. Não por acaso, estes vão permear todo o longa, desde as pichações nas paredes da casa feita pelos vizinhos, passando pelo discurso inicial do dono da empresa em que Cristovam trabalha, onde este é citado como se fizesse parte da família da empresa logo após o anúncio de que teria o salário cortado, até as hostilizações racistas mais diretas, como “volta para o nordeste”, referência clara à visão separatista e preconceituosa presente em diversas cidades do sul (e, em menor escala, no sudeste).

Dessa forma, “Casa de Antiguidades” surge como um importante retrato de um Brasil que deseja retornar ao passado, seja para se conectar a suas origens (Cristovam), seja para retroceder como sociedade (cidade sulista que mais parece fazer parte do século XIX). Assim, Miranda Maria mostra como o escalonamento e a persistência do discurso de ódio pode destruir a nossa civilização gradualmente.

Nota: 8.5

Ficha Técnica:

Título original: Casa de Antiguidades
Data de lançamento: 19 de novembro de 2020
Direção: João Paulo Miranda Maria
Elenco: Antonio Pitanga, Gilda Nomacce
Gêneros: Drama social
Nacionalidade: Brasil