“O Beco do Pesadelo” acompanha o misterioso Stan, que entra para um circo de atrações deixando para trás o seu passado misterioso. Lá ele conhece Molly e promete que um dia eles irão sair dali para o mundo.
O filme está disponível nos cinemas.
Um Del Toro em conflito
Guillermo Del Toro cria uma relação ambígua entre o seu cinema e o próximo passo que quer dar em sua carreira, em um filme que se transforma do noir (clássico) ao fantasmagórico (Del Toro) para depois encarar a dureza das consequências de um personagem que está sendo julgado.
Não é de hoje que Del Toro é conhecido por seu cinema que une um mundo fantástico e com criaturas impressionantes ao nosso mundo real, utilizando-se de diversas referências ao que ele gosta e ao cinema. Foi assim com “Labirinto do Fauno”, “A Forma da Água”, os dois “Hellboy”, “Cronos”, “A Colina Escarlate” e por aí vai.
Só que, diferente das outras obras, “O Beco do Pesadelo” é um remake de um clássico noir baseado em um livro, que nada tem de sobrenatural. Pelo contrário, o sobrenatural rapidamente se revela como uma farsa que modula o desenvolvimento dos personagens, sobretudo o protagonista, interpretado aqui magnificamente por Bradley Cooper, que quanto mais tenta dominar o sobrenatural, mais se perde em sua própria mentira.
Dessa forma, Del Toro mantém boa parte dos eventos da obra original, da premissa à conclusão. Entretanto, enquanto faz algumas referências ao gênero noir, como no uso de luz e sombras, narrativa imprevisível, protagonista corrompido e principalmente no chapéu usado por Stan, uma clara homenagem aos personagens de Humprhey Bogart e cia, o diretor se mostra pronto para subverter o clássico de alguma forma, ao melhor estilo maneirista, ou seja, extrapolando o que já existe a fim de criar algo novo.
O Real e o fantástico
Então, ele coloca em conflito mais uma vez a realidade e a fantasia. Mas, diferente das obras anteriores, em que a fantasia sempre prevalecia e junto a ela uma visão otimista das criaturas retratadas, em “O Beco do Pesadelo” a fantasia surge como sugestão, seja nas atrações do circo, na iluminação que artificializa e estiliza a cena ou em elementos do cenário/personagens, sendo os mais claros o bebê deformado e a besta.
Porém, em “O Beco do Pesadelo” a fantasia só serve como corrupção e mentira, os truques são rapidamente revelados e o otimismo inocente dá lugar a uma jornada fantasmagórica e pessimista. Talvez essa seja a primeira vez que Del Toro direcione o foco do seu filme para a degradação humana, aqui por meio da ambição.
É bem verdade que ela já estava presente em seus filmes anteriores, seja na guerra e no vilão de “Labirinto do Fauno”, nos nazistas de “Hellboy” ou no personagem de Michael Shannon em “A Forma da Água”. Todavia, em todas essas obras, o diretor usava do ser humano corrompido para exaltar e focalizar em suas criaturas ou naquelas personagens à margem da sociedade, mas de coração puro e capazes de se relacionar com essas criaturas (a menina de “Labirinto do Fauno” ou a protagonista de “A Forma da Água”).
Já em “O Beco do Pesadelo”, a corrupção finalmente toma o protagonismo da obra, deixando os mais puros sofrerem ou serem esquecidos para caminhar ao lado de um homem de passado obscuro e capaz de tudo para ganhar o futuro. Ao passo que os personagens puros vão se tornando secundários, esse começa a se relacionar com pessoas que se assemelham a ele, até a corrupção total (destaque para mais uma atuação brilhante da sempre espetacular Cate Blanchett).
Dessa forma, então, o diretor volta a uma temática central do noir: o mundo que corrompe o homem (a guerra mais uma vez tem papel aqui como pano de fundo, o que se relaciona diretamente com o surgimento do gênero e o seu tom pessimista). É como se Del Toro fosse abandonando aos poucos as referências mais claras ao gênero clássico para depois retornar a ele de forma mais madura. “O Beco do Pesadelo” é, acima de tudo, um filme de autoconhecimento do diretor, um rompimento parcial com o que sempre fez a fim de ver a vida e o cinema com um cinismo que antes ele próprio combatia.
Nota:
Assista a minha crítica em vídeo:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Nightmare Alley
Data de lançamento: 27 de janeiro de 2021
Direção: Guillermo Del Toro
Elenco: Bradley Cooper, Cate Blanchett, Rooney Mara, Willem Dafoe, Toni Collete
Gêneros: Suspense, Noir
Nacionalidade: EUA