“Os 7 de Chicago” conta uma história real que se passa em 1968 e mostra um grupo de protestantes que vai a Chicago para fazer um protesto pacífico durante a convenção do partido democrata, mas tudo acaba em um violento confronto com a polícia. A obra vai explorar principalmente o julgamento de oito manifestantes, todos eles líderes de organizações a favor do fim da Guerra do Vietnã.
O longa está disponível na Netflix.
Cinema teatral
Depois de se consolidar como um dos melhores roteiristas da atualidade, Aaron Sorkin (“A Rede Social”, “Questão de Honra”) decidiu começar a dirigir os seus próprios roteiros, mas se mostrou bastante despreparado em sua estreia, “A Grande Jogada”. Três anos depois, ele volta ao cargo com muito mais consciência. Ainda imaturo na função, Sorkin abandona os malabarismos estilísticos de seu primeiro longa e foca naquilo que melhor tem a oferecer aqui: o seu texto.
“Os 7 de Chicago” é um daqueles filmes que a história real já é interessante por si só para ser levada às telas, além de ser um caso tematicamente muito atual. Não à toa, muitos historiadores e cientistas políticos colocam Donald Trump e Richard Nixon como os dois presidentes que mais aproximaram os Estados Unidos de uma autocracia e que mais restringiram a liberdade de expressão e incentivaram o ódio e a polarização. Ademais, os acontecimentos que incentivaram o surgimento do Black Lives Matter decorrem da violência policial, que também está no centro das manifestações de Chicago, em 1968.
Dessa forma, o cineasta cria um drama de tribunal quase teatral sobre o julgamento de 1968. Uma encenação que não busca a realidade para um dos julgamentos mais encenados e manipulados da história. Tal escolha dá ao tribunal um sentido de palco, enquanto aqueles personagens interpretam para uma plateia que por um lado precisa ser convencida e por outro responde o chamado à altura. Esse jogo teatral de uma atuação dentro da atuação se torna ainda mais efetiva com os planos longos e abertos, quase sempre com grande profundidade de campo, resultado do uso constante da lente grande angular. Como em uma peça, a atenção do espectador é moldada por elementos da mise en scène, e, não, pelo uso de planos mais fechados e impositivos.
Além disso, é inegável o talento de Sorkin para dirigir o seu elenco e colocar todos em sintonia com o seu afiado e rápido texto. Muitas vezes acusado de não dar voz singular aos seus personagens, o cineasta não só constrói pessoas diferentes aqui, como usa essa diferença como importante ponto de trama, já que o julgamento tenta aproximá-los e forçar uma conspiração, claramente inexistente, enquanto Sorkin ressalta no texto e os atores na interpretação o quão diferentes esses personagens são. Até o humor é importante nesse sentido. Compare o personagem de Scaha Baron Cohen (personagem que passa por ótima desconstrução e que pode levar o ator a algumas premiações) com o de Eddie Redmayne, eles não são só distintos em personalidade, mas também nas piadas, seriedade, objetivos etc.
Realismo encenado
Se o foco do filme no tribunal e no escritório dos personagens funciona ao abandonar o realismo em prol do teatral e deixar a narrativa fluir por meio das belas interpretações do elenco e do texto intencionalmente nada sutil de Sorkin (que cria acertadamente certos vilões), o mesmo não pode ser dito da reconstrução das manifestações. É bem verdade que a ágil montagem consegue fluir bem entre os diferentes tempos e situações, com um recorrente e eficiente uso de raccords, mas o mesmo não acontece com a encenação e a mise en scène dos flashbacks.
Se Sorkin aposta aqui em um realismo e busca chocar pela ação dos policiais, a encenação teatral dá outro tom ao filme e rompe com o realismo proposto nessas cenas. Assim, a montagem precisa recorrer a cenas de arquivo dos protestos para tentar elevar o nível da dramatização. Simplesmente não funciona.
Além disso, o cineasta ainda se mostra inexperiente ao recorrer a recursos dramáticos super clichês, que lembram até os filmes recentes e mais fracos de Steven Spielberg. Principalmente o uso da música e dos enquadramentos em determinados contextos soam apenas como uma tentativa forçada de emocionar o público e nada combinam com o desenvolvimento narrativo que é muito eficiente ao causar indignação no público por meio das situações propostas, sobretudo as ações do enviesado juiz, interpretado pelo sempre excelente Frank Langella.
Porém, apesar da falta de uma voz mais forte na direção, Sorkin conduz bem a narrativa por meio de seu texto e do elenco. É bem possível que “Os 7 de Chicago” apareça no Oscar e nas demais premiações nas categorias de Roteiro Adaptado, Melhor Ator Principal (Sacha Baron Cohen), Melhor Ator Coadjuvante (Mark Rylance, Yahia Abdul- Mateen II e Frank Langella) e talvez até melhor filme. É sem dúvida uma das melhores obras originais Netflix do ano (ainda que tenha sido produzida pela Paramount).
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: The Trial Of Chicago 7
Data de lançamento: 16 de outubro de 2020
Direção: Aaron Sorkin
Elenco: Sacha Baron Cohen, Eddie Redmayne, Mark Rylance, John Carroll Lynch, Frank Langella
Gêneros: Drama, Baseado em fatos reais
Nacionalidade: EUA