“Madres Paralelas” traz duas mães solteiras ligadas pelo parto de suas filhas, ao mesmo tempo em que uma delas tenta desenterrar familiares mortos na Guerra Civil Espanhola que estão em valas comuns.
O filme está disponível nos cinemas e na Netflix.
As mulheres de Almodóvar
Almodóvar joga os personagens masculinos para o canto e centra as mulheres narrativas para falar sobre questões essencialmente femininas e feridas históricas.
Se em sua obra-prima “Fale Com Ela”, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar “calou” suas personagens de maneira provocativa e deixou suas vidas à mercê dos homens, em “Madres Paralelas” as mulheres se tornam o objeto de interesse para resolver suas próprias questões.
Mais uma vez então, o diretor demonstra todo o seu interesse pelo universo feminino, aqui traçando um paralelo entre a maternidade e as perdas e vazios vividos por essas mulheres historicamente. Quando os personagens masculinos aparecem ou é para causar sofrimento (abandono, chantagem, estupro) ou é para simplesmente pouco acrescentar em parceria e carinho àquelas duas mulheres.
Assim, Janis e Ana, vividas pelas atuações fascinantes de Penélope Cruz e Milena Smit, encontram na dor e no abandono o seu conforto. E é a partir desse encontro que o prazer carnal ganha vida novamente nas personagens.
Mas se engana quem pensa que “Madres Paralelas” é apenas mais um melodrama de Almodóvar. Se as temáticas e os subtextos levam o filme para esse caminho, assim como o estilo visual colorido do diretor, o que o cineasta propõe como desenvolvimento sensorial e narrativo nos leva para um thriller obsessivo e sufocante.
Janis, então, vira o nosso ponto de vista, heroína e vilã. Desde a primeira cena, quando conhecemos o seu trabalho, a personagem se mostra como uma observadora capaz, uma fotógrafa que posteriormente faz de sua relação um voyeurismo seguro. Jogada em uma situação que foge de seu controle, ela passa a observar Ana mais de perto a fim de tentar controlar aquilo que mais ama.
Se as personagens são unidas por um acaso feminino, um parto conjunto, Almodóvar une os seus destinos visualmente ao inseri-las quase sempre juntas no plano, e faz dessa união o gatilho para nos sufocar. Ao descobrirmos a situação completa antes de Ana, o diretor nos torna voyeur daquela situação, mas diferente de Janis, que pode revelar a verdade a qualquer momento, o cineasta nos deixa de mãos atadas, agonizando pela indecisão.
Assim, por muitos momentos simplesmente finge ignorar aquela situação, leva-nos mais uma vez para próximo daquele amor (compare a doçura da cena de sexo entre as duas com a cena entre Janis e Arturo, muito mais carnal e menos amorosa). Ao mesmo tempo, a trilha grita o tempo todo para não nos deixar esquecer do real conflito daquela história.
Mais uma vez, Almodóvar se mostra um diretor extremamente capaz de abraçar um melodrama quase novelesco, mas sem nunca deixar o caricatural tornar o público cínico aos acontecimentos. Isso porque ele faz das emoções exageradas e das revelações, assim como os elementos estéticos gritantes (fotografia, design de produção, figurino e trilha sonora), críveis o suficiente. Há uma verdade estranha pairando no ar, que ora nos sufoca, ora nos aconchega.
E quando ele nos despedaça por completo, traz no aconchego da sequência final uma dor que pode ser superada em parte. Não resolve tudo, nem a relação entre as personagens nem sequer traz de volta os entes queridos do passado, mas pelo menos nos refresca com um pouco de alívio após apertar nossos pescoços com as duas mãos durante quase duas horas.
Nota:
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Madres Paralelas
Data de lançamento: 18 de fevereiro de 2022
Direção: Pedro Almodóvar
Elenco: Penélope Cruz
Gêneros: Suspense, Drama
Nacionalidade: Espanha