“Amnésia” ou “Memento” (título original) conta a história de Leonard, um homem que sofre de perda de memória recente (e não amnésia, como o título em português sugere). Ele tenta encontrar quem assassinou a sua mulher, mas, para isso, precisa sempre anotar cada fato novo que descobre, seja com fotos ou tatuagens em seu próprio corpo.

A obsessão de Nolan pelo tempo

Muita gente fala sobre a questão temporal de Christopher Nolan em filmes como “Interestelar” e “Dunkirk”, porém não é de hoje que o diretor é obcecado por jogos relacionados ao tempo. Em “Amnésia”, o seu melhor trabalho até hoje, ele utiliza recursos dessa natureza como uma forma de nos transportar para dentro da confusão mental do protagonista.

Então, a cada vez que a memória de Leonard (Guy Pearce) some, nos a perdemos junto. Assim, enquanto o protagonista tenta reunir pistas para montar um quebra-cabeça, o público é convidado para fazer o mesmo. E o mais fascinante é a forma como Nolan cria esse jogo por meio do roteiro e da montagem. Depois que compreendemos a lógica do longa, tudo se torna bastante simples de entender.

Entretanto, a construção é tão boa que demoramos o filme inteiro para perceber qual é o jogo. Isso porque Nolan, diferente de seus blockbusters posteriores, não sente necessidade de explicar o que está acontecendo verbalmente e, sim, visualmente, o que exige muito mais do espectador.

Então, já nos créditos de abertura, o diretor começa com uma foto colorida que vai perdendo a cor. Em seguida, a cena começa a acelerar ao contrário e vemos que ali aconteceu um assassinato. Nesse simples minuto descobrimos que o colorido acontece depois e o sem cor antes. Além disso, nos é mostrado que a narrativa está contando a história do final para o começo. Tudo isso fica mais claro ao assistir o longa pela segunda vez.

Depois, começamos a ver cenas intercaladas, umas coloridas e outras em preto e branco, que acontecem em momentos diferentes. As em preto e branco aconteceram lá no começo da história, enquanto as coloridas vieram posteriormente. Detalhe, as cenas com cores vão sendo contadas ao contrário (do que aconteceu depois, o assassinato, para o começo, a revelação de como Leonard perdeu a memória).

Mas há um recurso temporal que deixa tudo ainda mais evidente. Nolan faz questão de repetir um take em cada cena com cor. Se encaixarmos esses takes repetidos em nossa memória, conseguimos montar o filme inteiro.

memento

A função narrativa

Entretanto, de nada adiantaria montar o filme com uma proposta diferente se isso fosse aleatório. Por sorte, em “Amnésia” tudo apresenta uma função muito bem definida. Como já citado acima, a ideia de embaralhar a linha do tempo é para causar uma confusão no público e transportá-lo para dentro da mente do protagonista. Mas por que dividi-lo em colorido e preto e branco? Por que contar parte do longa do final para o começo? E os flashbacks sobre o que o protagonista lembra?

As respostas para essas perguntas também apresentam função no longa. Para começar, a divisão entre com e sem cor serve com uma forma de não tornar o filme cansativo e obrigar-nos a estar sempre tentando entender o que acontece nessas duas linhas temporais, por meio de uma montagem “paralela”. Porém, há também uma relação com o conteúdo dessas cenas. Ou seja, nas cenas coloridas temos uma definição clara de quando ela começa e termina e conseguimos posicioná-las em sequência. Já as em preto e branco não fazemos ideia de em que momento se passa, como começaram e com quem Leonard está conversando. Portanto, estas são bem mais nebulosas.

Enquanto isso, os flashbacks das “lembranças” do protagonista são filmadas com cores mais quentes, de uma época em que ele lembrava das coisas e vivia bem com sua mulher. Claro que essas memórias não foram exatamente o que aconteceram, o próprio filme dá essa pista ao citar a diferença entre memória e fato e, posteriormente, nos revela a verdade.

E a escolha de contar a história do fim para o começo é ainda mais simples. O importante não é o protagonista resolver o assassinato de sua mulher, mas sim descobrirmos o porquê dele ter começado essa investigação. Como o mais relevante vem antes na história, Nolan desloca esse acontecimento para o clímax do filme.

Nota: 10.0

Crítica em vídeo:

Assista abaixo à crítica em vídeo que eu fiz sobre o longa em meu canal, o 16mm.

Assista ao trailer:

Ficha Técnica:

Título original: Memento (Amnésia)
Data de lançamento: 5 de setembro de 2000 (1h 53min)
Direção: Christopher Nolan
Elenco: Guy Pearce, Carrie Anne-Moss, Joe Pantoliano mais
Gêneros: Crime, Drama
Nacionalidade: EUA