“Mank” conta a história de Herman J. Mankiewicz escrevendo, em um rancho isolado, a primeira versão do roteiro de “Cidadão Kane”, enquanto se recupera de um acidente de carro e tenta controlar seu vício por bebida. O longa apresenta também o passado do roteirista e o seu envolvimento com os grandes chefões da Hollywood clássica.
O filme está disponível na Netflix.
Mais um filme sobre filme
“Mank” é um daqueles filmes que exigem um conhecimento prévio de seu público para o aproveitamento completo da obra, já que David Fincher pressupõe que os espectadores já conheçam figuras da Hollywood clássica, como Louis B. Mayer, Marion Davies, além do magnata William Randolph Hurst, grande inspiração para o personagem Charles Foster Kane. Ademais, é praticamente obrigatório ter visto “Cidadão Kane”, já que o longa traça paralelos entre o passado do roterista e a ideia por trás do filme de 1941, mostra a relação entre Mankewicz e Orson Welles e se usa, em parte, da estética do longa para a construção da homenagem.
Ao mesmo tempo, não é loucura classificá-lo como um Oscar Bait, ainda que seja um Oscar Bait “do bem” (ou pelo menos em parte, já que o longa se utiliza de uma teoria da conspiração amplamente desmentida para difamar a imagem de Welles, algo que aparecia em maior escala no roteiro original de Jack Fincher, pai de David). Isso porque, ao contrário do recente e péssimo “Era Uma Vez Um Sonho”, também da Netflix, “Mank” não abusa de atuações exagerada e uma construção inexistente para ganhar vida, ele apenas conta uma história sobre o cinema hollywoodiano utilizando elementos do cinema da época, como o preto e branco, som mono e as marcas de cigarro na “película”.
Entretanto, apesar desses elementos estéticos e narrativos serem bem aceitos pela Academia, eles encontram um sentido dentro da proposta de homenagem à vida daquele roteirista, já que “Mank” nada mais é do que o retrato daquele que nunca teve seu nome nos holofotes. Apesar de “Mank” contar a história de Mankewicz, poderíamos facilmente traçar um paralelo entre ela e a forma como os roteiristas são pouco reconhecidos no cinema desde sempre, em grande parte pela relação de trabalho criada pelos estúdios na Hollywood clássica e pela popularização da teoria do autor (uma das razões para Pauline Kael difamar Welles em seu ensaio que originou o roteiro de Jack Fincher).
Por isso, a obra funciona muito melhor quando foca no roteirista lutando contra os seus próprios demônios ou ao mostrar o quanto ele era conhecido e prestigiado na indústria, mesmo que não fosse conhecido pelo grande público. E é justamente nesses flashbacks em que temos os momentos mais divertidos e historicamente relevantes, principalmente ao traçar o paralelo entre a influência política de Hearst e a de Kane. São nessas sequências também que conseguimos nos conectar mais com o imperfeito Mankewicz e nos aproximamos da sua relação complexa com Marion Davies, vivida por Amanda Seyfried em sua melhor atuação da carreira, conseguindo desmistificar uma visão simplista e ofensiva de como eram as atrizes da época. O mesmo já não pode ser dito da personagem de Lily Collins, que é inserida forçadamente como uma tentativa de conectar o público com o protagonista por meio de sua compaixão.
Teoria da conspiração
Porém, se “Mank” consegue construir uma boa obra de homenagem, utilizando recursos técnicos semelhantes à que o inspirou e os diferenciando dos flashbacks, quando a qualidade visual é mais prejudicada intencionalmente para demonstrar a diferença dos equipamentos da década de 30 e 40, David Fincher acaba não resistindo à tentação de homenagear a memória do pai ao resgatar à visão de Jack e Pauline sobre Welles.
Assim, eles trazem o cineasta das sombras para surtar em uma cena quando o roteirista pede os seus créditos, e, depois, introduz um discurso de Mankewicz que na verdade nunca existiu. Porém, ele nada fala sobre o fato daquela ser apenas a primeira das sete versões do roteiro. Também não fala que Welles teve participação importante ao criar cenas novas ou reescrever diálogos inteiros. Nem sequer cita que o diretor que pediu para o nome do roteirista ser colocado na frente nos créditos do roteiro.
Dessa forma, ele abraça uma teoria já amplamente desmentida para difamar um cineasta do qual ele não gostava. E, por mais que eu seja um grande defensor das chamadas liberdades criativas, jamais as defenderei quando forem usadas para prejudicar com mentiras a imagem de um personagem real. Una isso ao fato de que grande parte do público da Netflix que assistir ao filme não terá visto “Cidadão Kane” (onde Welles demonstra toda a sua genialidade como ator e diretor) e o desconhecimento da história verídica, e teremos quase todos os espectadores acreditando no cineasta como um mau caráter por receber todos os créditos de uma obra a qual não realizou. Como grande fã de Fincher, não posso negar que as escolhas do desfecho do longa me decepcionaram bastante.
Nota: 7.5
Assista ao trailer:
Ficha Técnica:
Título original: Mank
Data de lançamento: 04 de dezembro de 2020
Direção: David Fincher
Elenco: Gary Oldman, Amanda Seyfried, Charles Dance
Gêneros: Drama
Nacionalidade: EUA